6 de setembro de 2015
A imagem do menino sírio Aylan Kurdi, de 3 anos, morto em uma praia da Turquia chocou o mundo e fez com que a crise migratória na Europa ganhasse mais repercussão internacional. Ele, o irmão de 5 anos, a mãe e outros refugiados morreram afogados ao tentar alcançar a ilha grega de Kos e entrar na Europa. O foco agora está nos líderes europeus e nos debates sobre as melhores soluções para controlar o fluxo de refugiados.
Mas a história da família Kurdi e de muitas outras que morreram no Mar Mediterrâneo e em rotas terrestres, saindo do Oriente Médio e da África, começa com as guerras, conflitos e privações nessas regiões. Atualmente, a Síria é o principal país de origem de refugiados no mundo, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), com 3,88 milhões, só até o final de 2014. No mundo são quase 60 milhões de pessoas que foram forçadas a deixar seus países, metade delas jovens e crianças.
A porta-voz do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Dibeh Fakhr, disse que o conflito na Síria já dura cinco anos e que a situação humanitária no país permanece “catastrófica”. “Há enormes necessidades por todo o país. A guerra continua e afeta mais fortemente civis”, afirmou, explicando que mais de 7 milhões de pessoas estão sendo afetadas e mais de 4 milhões deixaram o país.
“Hoje, as necessidades principais são comida, água, medicamentos e atendimento básico de saúde. As moradias foram severamente afetadas pelos conflitos, muitas foram destruídas. Infelizmente, a água está sendo usada como arma de guerra na Síria por todas as partes envolvidas. A infraestrutura de abastecimento é fraca e ficou ainda mais frágil com as guerras, a água é cortada, às vezes por dias, deixando a população civil prejudicada. Muitas famílias nos contam que precisam fugir diversas vezes de uma área para outra tentando encontrar um lugar seguro”.
Dibeh disse ainda que o comitê faz um trabalho humanitário e tenta chegar às áreas onde as necessidades são maiores. “Temos problemas com a segurança e precisamos de muitas autorizações para nos mover de um lugar para outro. Estamos nos esforçando ao máximo para ajudar, mas as necessidades são grandes, e não importa o quanto façamos, elas continuam aumentando. A solução precisa ser política”, disse a porta-voz.
O conflito na Síria, entre rebeldes e governo, também tem o envolvimento direto do grupo extremista Estado Islâmico, que tentam derrubar o presidente do país, Bashar Al Assad. A assessora de Direitos Humanos da Anistia Internacional Brasil, Fátima Mello, disse que a população também é atacada e usada por essas forças, estando exposta a ataques químicos, detenções, torturas, desaparecimentos e prisões. “Os civis estão expostos a situações gravíssimas de violações de direitos humanos”.
A origem e as soluções para os conflitos
Segundo o geógrafo e professor de relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado, Jorge Mortean, esse movimento entre a migração de pessoas de regiões em conflito e os países desenvolvidos é retroalimentante. “Os conflitos locais, no Oriente Médio, são causados pela própria interferência e interesse das potências mundiais, principalmente pela demanda energética, pela extração e compra de petróleo e gás natural. Os ocidentais direta ou indiretamente estão fomentando esses conflitos e acabam gerando esse fluxo de pessoas que perderam tudo e agora tentam de todas as maneiras entrar na Europa”, disse.
O professor explicou que, estremecendo a política doméstica o preço do petróleo tende a subir, influenciando o mercado mundial. Com os governos locais enfraquecidos, segundo Mortean, a força econômica também penetra melhor na indústria petrolífera local. “Fica um jogo dúbio. O governo local ganha [com a venda] e as potências econômicas também não deixam de lucrar [com o mercado aquecido]”.
O custo que esses países têm fomentado, as diversas facções e governos envolvidos no conflito, com armas, dinheiro e treinamento, é baixo, comparado aos lucros. Mas, segundo o professor, em determinadas situações essa equação se inverte. “O problema é que isso chegou em uma curva e agora o processo se inverte e não é mais tão vantajoso porque o custo social [de acolher os refugiados] está maior que o custo econômico”, explicou.
“A diplomacia tem um lado que não dá pra ver, esse lado obscuro é o que realmente acontece e que, muitas vezes, não pode ser resolvido. Os grandes financiadores, armadores de conflitos no Oriente Médio, na África, Ásia e até aqui na América Latina são os grandes que estão sentados nas cinco cadeiras permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas”, disse.
Para Mortean, acolher os refugiados é uma medida paliativa, mas só há uma solução para essa crise migratória: que os países estrangeiros parem de financiar os conflitos e fornecer armas para os países de origem dos refugiados.
Já Fátima Mello entende que é preciso também um esforço multilateral para desenvolver economicamente esses países, além de “sinais mais contundentes” de participação do Conselho de Segurança das Nações Unidas na resolução dos conflitos.
Refugiados na Europa
A assessora da Anistia Internacional Brasil disse ainda que o número de refugiados que chegam à Europa parece alto, mas são baixos se comparados a países vizinhos à Síria, que já receberam quase 4 milhões de refugiados sírios. Isso fez como que países como Líbano e a Jordânia fechassem suas fronteiras aplicando um controle mais efetivo sobre quem entra.
Fátima Mello explica que a União Europeia é signatária de todo tipo de acordos internacional humanitário, de concessão de asilo a refugiados, e, para conseguir reduzir o número de pessoas que morrem nas suas fronteiras, tem a obrigação de aumentar os vistos de assentamento. Entretanto, segundo ela, os países de entrada na Europa tem fechado suas rotas e limitado o acesso por terra, o que agrava a situação das travessias pelo Mar Mediterrâneo, para a Espanha, Itália e Grécia principalmente
“O número de refugiados e imigrantes via marítima tem aumentado muito. Os sírios totalizavam 46% das 176 mil pessoas que chegaram na Itália pela ilha de Lampedusa. É o país que, de longe, recebe mais refugiados por mar. Recomendamos que a Europa realize operações humanitárias envolvendo os vários países, mas que sejam operações que forneçam à Itália suporte logístico e financeiro”, disse.
Por terra, a Hungria é a porta de entrada para migrantes e refugiados, pois o país é signatário do Acordo de Schengen, de países europeus onde se pode transitar livremente sem passaporte. Para tentar barrar a entrada dessas pessoas, o governo húngaro construiu uma cerca de arame farpado, vigiada por policiais, ao longo da fronteira com a Sérvia. E para aqueles que conseguem entrar na Hungria, a saída para os países mais ricos da Europa Ocidental está sendo limitada às estações de trem em Budapeste.
Segundo o professor Jorge Mortean, Acordo de Schengen já passou por algumas mudanças, tornando-se mais rígido dependendo da nacionalidade do cidadão, e, com esse fluxo de migrantes, é provável que haja novas alterações.
Pio Penna, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília, disse que existe um impasse para manejar essa liberdade nos países de entrada (Espanha, Itália, Hungria, Grécia), pois os países para os quais os refugiados pretendem ir, como a França, Itália, o Reino Unido, a Alemanha, Áustria, estão dificultando a entrada. Por isso, segundo ele, a Alemanha está propondo um diálogo que traga uma solução.
Associada a essa dificuldade existe ainda, segundo Penna, o problema do tráfico de pessoas. “A maior parte dos refugiados seguem rotas abertas ou manejadas por pessoas ligadas ao tráfico humano, e essa gente não tem princípios, e aí acontecem outros acidentes de percursos”, disse. No final de agosto, 50 pessoas foram encontradas mortas em um caminhão frigorífico na Áustria. O porto, na cidade de Calais, por onde passa o Eurotúnel, em direção ao Reino Unido, também é rota de atravessadores.
Além da Síria, os especialistas citam o Iraque e a Líbia como os países de origem de muitos refugiados. Segundo Mortean, a Líbia sempre foi um canal de migração ilegal, mas com a derrubada do governo e morte de Muammar Kaddafi, em 2011, o país passou a viver uma crise interna, dividido em mais de 13 tribos que buscam o poder. “Com vários grupos sociais se armando, dá brecha para o surgimento de forças terroristas externas, como o Estado Islâmico”, disse.
O professor explica que o Iraque também sofre com as investidas do Estado Islâmico. “O governo iraquiano ficou um pouco enfraquecido com a saída das tropas americanas no ano passado. Além disso, é um governo administrativamente fragmentado por causa dos curdos, que têm a autonomia no Norte do país”, disse Mortean, explicando que muitos iraquianos têm se refugiados no Kwait.
Já Fátima Mello relaciona também as longas crises econômicas de países africanos e o extremismo religioso como fatores que levam as pessoas a abandonar seus países. “Deste o período da colonização as pessoas são expostas a violações e passam por situações de fome e de insegurança de todos os tipos. Agora, soma-se a radicalização por parte do extremismo religioso, como Boko Haram, e tudo isso expulsa as populações de suas casas e seus países de origem.
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