15 de abril de 2021

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Por RBA

A prefeitura de Sorocaba, no interior de São Paulo, divulgou à imprensa, na manhã da quarta-feira (14), o que chamou de “estudo preliminar” sobre a eficácia do “tratamento precoce” contra a covid-19. O “estudo”, no entanto, não utiliza nenhuma metodologia científica. Trata-se, na realidade, de uma pesquisa feita por telefone com 123 pacientes que utilizaram os medicamentos.

“O estudo apresentou uma taxa de letalidade de 0,81% entre os pacientes monitorados. Atualmente, o índice de letalidade é de 2,7% na cidade de Sorocaba, abaixo da taxa estadual, que é de 3,2%. Até o momento, 1.113 pacientes optaram pelo tratamento precoce na cidade”, informava a nota.

No texto, o prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) afirmava ainda que “essa ação faz parte do conjunto de medidas que a Prefeitura adotou contra a covid”.

Diante da polêmica, mais tarde a prefeitura de Sorocaba alterou a nota, trocando a palavra “estudo” por “levantamento”. A mudança, informa, teve o objetivo de esclarecer “dúvidas geradas”.

Uso da máquina

As vereadoras Iara Bernardi (PT) e Fernanda Garcia (Psol) e os vereadores Francisco França (PT) e Salatiel Hergesel (PDT) ingressaram com representação no Ministério Público. Eles pedem “que o MP instaure investigação sobre a conduta da Prefeitura Municipal de Sorocaba e do prefeito”. A representação alega uso da estrutura institucional para disseminação de “dados pseudocientíficos de forma a referendar a existência de nexo causal entre a cura de pacientes com covid-19 e o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes contra essa doença”. Afirma, ainda, que a medida “expõe os cidadãos a charlatanismo e risco de vida, na medida em que se sentirão seguros a descumprirem medidas sanitárias necessárias para prevenção contra o coronavírus por se sentirem ‘protegidos’ por um tratamento precoce sabidamente ineficaz”.

A ação contra a prefeitura de Sorocaba lembra que a Organização Mundial da Saúde (OMS) concluiu que a hidroxicloroquina não funciona no tratamento contra a covid-19 e alertou ainda que seu uso pode causar efeitos adversos. “O medicamento passou por uma análise de um grupo de especialistas e pacientes e recebeu “forte recomendação” contra o uso no combate ao coronavírus”, reforça.

Contra a saúde

Além disso, menciona nota da European Medicines Agency (EMA), de 22 de março, e da Associação Médica Brasileira, de 23 de março, em que as entidades se posicionam contra a utilização dessas medicações no tratamento da covid-19. “Reafirmamos que, infelizmente, medicações como hidroxicloroquina/cloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina e colchicina, entre outras drogas, não possuem eficácia científica comprovada de benefício no tratamento ou prevenção da covid-19, quer seja na prevenção, na fase inicial ou nas fases avançadas dessa doença, sendo que, portanto, a utilização desses fármacos deve ser banida”, informa a AMB.

“Na contramão desses estudos, a Prefeitura Municipal de Sorocaba se utiliza de sua estrutura institucional para divulgar estudo que defende tal nexo causal e que não pode ser classificado de outra forma que não como divulgação de fake news institucionalizada com a finalidade de induzir cidadãos e cidadãs a acreditaram em tratamento precoce deslegitimado pela ciência, mais próximo de curandeirismo do que de ciência”, salientam os vereadores na representação.

“Nesse sentido, defendemos que o prefeito Rodrigo Manga atenta conta a saúde pública”, explicam os vereadores. E citam crime previsto no Código Penal Brasileiro, artigo 283 (Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa) e artigo 132 (Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena – detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave).

Tratamento de morte

“A prefeitura diz ter questionado os participantes sobre a idade e comorbidades – informações são essenciais em um levantamento como esse – mas não divulgou mais detalhes”, informa reportagem da revista CartaCapital, que tentou contato com a prefeitura de Sorocaba, mas não teve retorno.

A infectologista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia Raquel Stucchi afirmou à CartaCapital que os resultados não dizem nada, e servem apenas como propaganda política. “Se tivessem tomado chá de hortelã, também teriam a mesma evolução. Isso porque 85% dos casos de Covid tem esta evolução, sem agravamento”, explicou a infectologista.

Um estudo sério, esclarece a médica, recolheria dados randomizados. Ou seja, os pacientes utilizados em cada grupo do experimento seriam escolhidos de forma aleatória. “Todos os estudos randomizamos feitos pelo mundo têm mostrado que os medicamentos defendidos como ‘tratamento precoce’ contra a covid-19 não funcionam”, informa a reportagem, lembrando que já foram registradas mortes em função do uso desse tipo de medicamento. “A própria fabricante da ivermectina, um dos remédios defendidos, afirmou que o medicamento não é eficaz contra a doença.”

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