31 de maio de 2024

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Há cerca de 12 mil anos, nossos ancestrais davam os primeiros passos na agricultura, iniciando um processo que iria transformar definitivamente o estilo de vida das populações humanas. O surgimento das plantações resultou em um novo paradigma de relacionamento com a terra, e deu ensejo ao surgimento de tecnologias que permitiram a seleção das melhores culturas e o crescimento da produção, até alcançar o ponto de alimentar comunidades inteiras e, mais tarde, organizar um mercado de bens alimentícios. O impacto sobre algumas espécies, na forma do grande número de alterações a que foram submetidas ao longo de milênios, foi tamanho, que, embora fossem originalmente selvagens, hoje plantas como o milho e o arroz dependem da ação humana para seguirem existindo.

Mas o Homo sapiens não é a única espécie a recorrer à agricultura para expandir suas chances de vida neste planeta, e nem sequer a primeira. Há mais de 8 milhões de anos, formigas do gênero Atta, das quais a mais popular é a Saúva, já dominavam a arte da agricultura, e desenvolveram técnicas que em muito se assemelham às nossas. Elas chegaram até mesmo a domesticar determinadas espécies de fungos que, hoje, não são mais capazes de sobreviver fora das colônias de formigas.

Assim como os humanos que passaram a cultivar seus alimentos, as formigas passaram a cultivar fungos. Porém essa interação ganhou uma dinâmica denominada de mutualismo. Nela, os insetos dependem dos fungos para se alimentar e sobreviver e, por outro lado, os fungos também dependem dos insetos para obter sua alimentação, e para se propagar.

Embora a existência destas relações entre formigas e fungos seja conhecida há várias décadas, pouco se sabe sobre a variedade das espécies que estão envolvidas, e sobre as interações específicas que se estabelecem. “Por muito tempo, a comunidade científica acreditava que as formigas cultivariam apenas uma espécie de fungo”, diz André Rodrigues, docente do Departamento de Biologia Geral e Aplicada no Instituto de Biociências da Unesp, campus de Rio Claro. “O problema é que os primeiros estudos se concentravam nas formigas, não nos fungos”, diz.

Quando, num passo posterior, os pesquisadores mudaram o foco e passaram a observar os fungos, perceberam que diferentes espécies de formigas agricultoras podem cultivar fungos distintos. “Hoje sabemos que uma colônia de formigas agricultoras abriga também, além do fungo que é cultivado por elas, vários outros microrganismos que também são simbiontes e que desempenham outras funções naquele contexto”, diz o pesquisador.

Com o objetivo de entender melhor as interações entre populações de formigas e os fungos que elas cultivam, Rodrigues coordena o Projeto Temático Fapesp “Pesquisa colaborativa: Dimensions US-São Paulo: integrando filogenia, genética e ecologia química para desvendar a emaranhada simbiose multipartida das formigas cultivadoras de fungos”. O projeto é realizado em parceria com a Universidade de Utah, a Universidade Emory, a Universidade de Wisconsin e o Museu Nacional de História Natural, todas instituições dos Estados Unidos.

A pesquisa está inserida no programa Dimensions of Biodiversity, promovida pela agência de financiamento National Science Foundation (NSF), dos EUA, que visa incentivar a pesquisa em biodiversidade e elucidar os mistérios que ainda permeiam o campo. O programa é um acordo de cooperação internacional entre instituições dos Estados Unidos e de outros países do globo, incluindo o Brasil, por meio da Fapesp, e tem como objetivo “transformar o modo como descrevemos e entendemos o papel da vida na Terra”.

A erva daninha das formigas

A maior parte das formigas agricultoras cultiva fungos da família Agaricaceae, que são parentes distantes do conhecido cogumelo Champignon. Para isso, constroem no interior do formigueiro um complexo conhecido como “jardim”, e lá os fungos cultivados formam grandes estruturas que são mantidas pelas operárias.

O trabalho dos insetos acontece primeiro em uma etapa externa, em que passeiam ao ar livre em busca de vegetação e matéria orgânica para servirem de alimento para a “plantação”. Depois, na etapa interna, o material coletado é trazido para o formigueiro e depositado no jardim, para que o fungo possa se alimentar e se desenvolver.

Rodrigues conta que a complexidade das interações só começou a ser melhor explorada a partir de 1999, quando cientistas descobriram que, de maneira colateral, um outro fungo também estava se desenvolvendo nos jardins. “Assim como na agricultura humana vemos outros organismos se beneficiarem do nosso cultivo, como no caso das ervas daninhas, percebeu-se que outros organismos cresciam no jardim”, conta.

Entre esses organismos que se beneficiam da existência do jardim estão os fungos do gênero Escovopsis. O nome “Escovopsis” aglutina o latim “esco”, de “escova”, e o grego “psis”, que significa “semelhante a”. Assim, a palavra faz referência à semelhança do formato do fungo com uma escova.

A equipe liderada por Rodrigues tem buscado entender as interações que o Escovopsis estabelece com o restante do ecossistema existente nos jardins. Em 1999, quando o microrganismo foi descoberto, sugeriu-se que se tratava de um parasita que se alimentava dos fungos que servem de alimento para as formigas. “Ou seja, acreditava-se que era um fungo que comia outro fungo, em uma relação de parasitismo, enquanto se mantém a relação de mutualismo entre as formigas e os fungos Agaricaceae”, diz Rodrigues.

Entretanto, no mundo inteiro as pesquisas sobre o Escovopsis encontraram uma barreira: seu foco estava sobre os efeitos que o fungo invasor gerava sobre a colônia, mas não buscavam aprofundar o conhecimento sobre a espécie ou o gênero a que pertence o Escovopsis. “Havia muita preocupação para descobrir o que o fungo fazia, mas ninguém se preocupou em saber quem era ele”, diz o docente.


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