Agência Brasil

26 de julho de 2009

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A principal dificuldade dos atletas é começar o treino e ter acesso à informação, diz o coordenador técnico de atletismo do Comitê Paraolímpico Brasileiro, Ciro Winckler, ao falar sobre as adversidades enfrentadas por aqueles que praticam esporte paraolímpico. Segundo ele, esses atletas não devem ser vistos como deficientes que praticam um esporte, mas como atletas com uma especificidade.

“Os atletas paraolímpicos são mais dedicados aos treinos”, afirma o treinador Leonardo Miglinas Cunha, da equipe da Associação Capixaba Paraolímpica de Desportes (ACPD). Há oito anos, a equipe, formada por voluntários, oferece aulas gratuitas de natação em um clube de Vitória. Os atletas amadores treinam três vezes por semana, os profissionais, todos os dias.

De acordo com Antônio Delfino, corredor de 38 anos, não é fácil ser esportista, mas com paciência e dedicação é possível “chegar lá”. Aos 17 anos, Delfino trabalhava como lavrador, quando sofreu um acidente de trabalho e teve seu braço direito amputado. Em 1989, ele mudou-se para Brasília em busca de melhores condições de vida e dez anos depois começou a correr. “Uns colegas de trabalho que corriam disseram que eu levava jeito para corrida de rua”, conta Delfino, que disputou e venceu sua primeira prova naquele ano.

Delfino já ganhou três medalhas paraolímpicas - duas de ouro nas Paraolimpídas de Atenas, em 2004, e uma de prata. Em 2003, ele conseguiu seu primeiro patrocinador, mas continua trabalhando: “Sou um dos poucos que trabalha. Para alguns [o patrocínio] não dá pra viver.”

A falta de apoio foi apontada pelo treinador Cunha como a maior dificuldade para os atletas paraolímpicos. Winckler confirma a dificuldade: “As pessoas encaram o apoio financeiro nas Paraolimpíadas como ajudar um coitadinho. Queremos que ajudem pelo tempo dos atletas, pela relação custo-benefício”. Nas últimas Paraolimpíadas, em Pequim, em 2008, o Brasil melhorou sua posição no quadro de medalhas, ficnando em 9º lugar.

Segundo Winckler, ainda faltam treinadores interessados nessa área. "Os profissionais não querem trabalhar na área por acomodação, para não ter que estudar”, afirma. Isso faz com que não haja muitos locais de treinamento.

Cerca de 800 atletas estão reunidos em Brasília para a etapa regional Centro-Leste do Circuito Loterias Caixa Brasil Paraolímpico de Atletismo, Halterofilismo e Natação. As competições estão sendo realizadas desde ontem (25), no Centro Interescolar de Educação Física (Cief), no Hotel Nacional e no Parque Aquático do Complexo Esportivo Ayrton Senna. As provas continuam sendo disputadas hoje.

Patrocínios

Conquistar cinco medalhas em mundiais de atletismo paraolímpico – duas de ouro e três de bronze – e estar em primeiro no ranking brasileiro de sua modalidade, com um currículo no qual constam dois recordes nacionais, pode não significar tranquilidade para um atleta quando busca patrocínio.

“A deficiência física nunca me impôs dificuldade nenhuma. Apenas me ajudou, porque é um meio que tenho para obter mais e mais conquistas. Infelizmente não basta esforço e superação para que um para-atleta consiga vencer seu obstáculo mais difícil: a falta de patrocínio”, argumenta Thiago de Souza, 18 anos, o primeiro do ranking brasileiro de corrida com cadeira de rodas e dono de dois recordes nacionais e duas medalhas de ouro e três de bronze.

Até o início da tarde de hoje (26), Thiago havia conquistado três medalhas de ouro durante os dois dias de competição do Circuito Brasil Paraolímpico. “Mas ainda não conquistei nenhum patrocinador. A gente até tenta, mas nunca conseguimos chegar em quem dá a palavra final para o patrocínio”, lamenta.

Em competições desde os 14 anos, Thiago é o recordista brasileiro dos 100 e 200 metros na modalidade atletismo para cadeirantes, popularmente conhecida por corrida de cadeira de rodas. Segundo ele, o maior problema encontrado por atletas de sua modalidade é a reposição de equipamentos. “Estou sem verbas inclusive para comprar o pneu da minha cadeira”, diz.


Já consegui apoios como o do colégio onde estudei [Notre Dame, em Brasília] e de amigos e parentes, que participam dos bingos e das rifas que eu organizo. Geralmente os patrocínios que ocorrem com um ou outro atleta é motivado por indicações. Mas isso é uma minoria. Praticamente todos que conheço estão passando por dificuldades decorrentes da falta de empresas patrocinadoras.

—Thiago de Souza, atleta paraolímpico

“Claro que sempre que conquistamos um bom resultado acabamos nos sentindo mais motivados com o esporte e otimistas com a possibilidade de surgirem patrocínios. Mas atualmente isso não me deixa tão esperançoso. Até porque ao longo da minha trajetória ainda não aconteceu, apesar dos ótimos resultados que já obtive", ressalta.

O que sobra de talento falta em termos de otimismo também para a para-atleta Ana Carolina Pires Franch, que estava na expectativa de conquistar sua terceira medalha de ouro em natação, nesta edição do Circuito Brasil Paraolímpico. Contando apenas com o apoio da prefeitura de sua cidade – Assis, interior de São Paulo, de quem recebe R$ 250 mensais –, Carolina diz que sequer vai atrás de patrocinadores.

"Eu sei que isso é muito difícil de acontecer porque vejo que é a realidade de praticamente todos para-atletas”, disse a nadadora que acabara de ganhar duas medalhas de ouro nos 100 metros livre e nos 100 metros borboleta. “Tenho muitas dificuldades para me locomover, seja para o treino ou para as competições”, revela.

Treinadora da equipe de natação de Brasília, Virgínia Sara Saad explica que o que salva boa parte dos atletas portadores de necessidades especiais é a bolsa-atleta dada pelo governo federal.

“Os atletas de nível escolar recebem cerca de R$ 350 por mês. Os de nível nacional recebem R$ 750, os paraolímpicos são beneficiados com R$ 2,5 mil e os que participam das competições internacionais, R$ 1,5 mil. Quase ninguém consegue patrocínio, e essa bolsa acaba sendo imprescindível para eles”, diz Sara, que é professora da rede pública, cedida à Associação de Centro de Treinamento de Educação Física Especial (Cetefe), em Brasília.

Segundo ela, as maiores dificuldades desses atletas estão ligadas ao transporte e à falta de treinadores e de apoio nutricional. “Eventos como este que está sendo realizado aqui em Brasília são mais suscetíveis de obter patrocínios”, explica. No caso, o patrocínio veio de um banco público, a Caixa Econômica Federal.

Com mais de 17 anos competindo, André Luiz de Mello, com paralisia infantil, jamais obteve qualquer patrocínio. “As empresas não acreditam no nosso potencial e sempre estão apresentando obstáculos para nos ajudar. Atualmente a desculpa mais utilizada é a da crise financeira internacional”, revela.

“Não tenho a menor dúvida de que é mais difícil obter patrocínio do que superar as dificuldades naturais de nossas limitações”, afirma. “Até porque já passei por cima de todas as dificuldades e nunca consegui sequer um patrocínio”, ressalta o nadador, que conquistou medalhas de bronze nos 100 metros e nos 50 metros livre.

Realidade bem distinta é a do melhor para-atleta do mundo: Daniel de Faria Dias. “Não tenho do que me queixar. Tenho patrocinadores que me dão condições para continuar aprimorando o meu nado e, antes disso, tive um pai que fez de tudo para me ajudar”, disse Daniel à Agência Brasil.

“Mas não foi fácil obter esses patrocínios. Eles só surgiram após minha participação no mundial de Durban, em 2006, na África do Sul”, completa. Na oportunidade, Daniel despontou para o mundo ao conquistar três medalhas de ouro e duas de prata.

Atualmente ele é detentor do recorde mundial nas provas de 100 e 200 metros nado livre; de 100 metros nado costas; 200 metros nado peito e 200 metros medley, além de ser o recordista de medalhas no Parapan, com oito ouros. Em Pequim, Daniel conquistou outras nove medalhas, sendo quatro de ouro, quatro de prata e uma de bronze.

Fontes