Brasil • 10 de agosto de 2005

Email Facebook Twitter WhatsApp Telegram

 

O empresário brasileiro Marcos Valério prestou depoimento ontem (9) perante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Compra de Votos, também conhecida como CPI do Mensalão, na sala 6 da ala Nilo Coelho, no Senado Federal Brasileiro. Valério é acusado de ser o operador de um esquema de pagamento de mesadas a parlamentares para que estes votassem a favor do governo. Segundo as denúncias do deputado brasileiro Roberto Jefferson, a mesada, que ficou conhecida como "mensalão", seria paga pelo Partido dos Trabalhadores e aliados.

O depoimento de Marcos Valério começou aproximadamente ao meio-dia e terminou por volta das 2h da manhã. Segundo a Agência Câmara, o depoimento durou 14 horas e 45 minutos.

Apesar de no início do depoimento o empresário ter prometido contar aquilo que viu em detalhes, ele não acrescentou muito àquilo que já havia sido divulgado dias antes pela imprensa. Ele atacou Roberto Jefferson, José Dirceu, a cúpula do PT e procurou envolver outros partidos políticos, ao citar pessoas que teriam recebido seus empréstimos, do PSDB e do PDT. Valério também confirmou um repasse de R$ 15 milhões à empresa de Duda Mendonça, publicitário que cuidou da campanha do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002.

Valério começou o depoimento com um pedido de perdão para o povo brasileiro, pelo fato de ter omitido fatos em depoimento anterior para a CPI dos Correios: "Peço hoje desculpas ao Brasil em público e aos senhores deputados". Ele justificou o seu comportamento anterior dizendo que esperava que o Partido dos Trabalhadores, a quem ele se referiu como o beneficiário dos seus empréstimos, se pronunciasse primeiro. Ele prometeu contar fatos em detalhes, para os quais disse não ter provas algumas vezes, daquilo que vivenciou no perído de 2003 a 2005, sem inventar e denunciar, "falando estritamente o que viu e assistiu", segundo suas palavras.

O empresário negou a existência do mensalão e defendeu a tese de que o dinheiro enviado ao PT era "caixa 2" (dinheiro doado a partido político não declarado à Justiça Eleitoral e portanto ilegal) e para saldar dívidas de campanha de políticos.

Ele criticou o deputado Roberto Jefferson e disse que não daria "um cheque enlameado" para ele. Ele disse também que Jefferson pressionava o tesoureiro informal do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Emerson Palmieri, para obter recursos irregulares no Instituto de Resseguros do Brasil (IRB).

Valério também criticou o deputado e ex-Ministro da Casa Civil, José Dirceu e disse que ele sabia dos empréstimos de R$ 55 milhões supostamente feitos para o PT por meio de suas agências publicitárias: “Havia aval superior de Dirceu, que não foi dado a mim pessoalmente, mas foi confirmado várias vezes pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares."

Marcos Valério considerou-se "inimigo" de José Dirceu e chamou o ex-Ministro de "arrogante que não é amigo de ninguém." Sobre Dirceu, Valério disse: Não morro de amores pelo ex-ministro José Dirceu. Concordo em gênero, número e grau com quem afirma que ele é prepotente. Mas, como ministro da Casa Civil, ele representava o aval superior de que eu precisava para garantir que os empréstimos feitos por minhas empresas seriam devidamente pagos.

Marcos Valério disse que o tesoureiro Delúbio Soares mostrou-lhe que o PT tinha uma arrecadação anual da ordem de R$ 50 milhões e que ela "deveria aumentar muito, agora que o PT estava no governo". Valério disse que Delúbio lhe garantiu que o dinheiro era para saldar dívidas atrasadas da campanha política e as despesas da festa da posse do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Tendo em vista a suposta boa condição financeira do PT, defendida pelo então tesoureiro Delúbio Soares, e o suposto aval do então Ministro José Dirceu, Valério disse que fez os supostos empréstimos e que sentiu-se "tranqüilo" em relação ao fato de ser ressarcido mais tarde pelo partido.

Valério disse que o tesoureiro do PT Delúbio Soares era responsável por todas as decisões no PT em relação aos empréstimos. De acordo com Valério, Delúbio mantinha a cúpula do partido informada sobre todas as operações. Além da cúpula, Valério disse acreditar que José Dirceu também conhecia tudo.

O empresário disse que se sentiu usado por toda a cúpula do PT (Delúbio Soares, Marcelo Sereno, José Genoíno e José Dirceu) e contou que entrará na Justiça para a reparação dos suspostos prejuízos que teve com o cancelamento dos contratos e o não-reconhecimento de uma dívida referente a 6 empréstimos que somam juntos R$ 55 milhões, a partir de 2003, junto ao Banco Rural e ao banco BMG, e repassados por ele integralmente ao tesoureiro do PT. Para Valério, o Partido dos Trabalhadores lhe deve R$ 100 milhões em valores corrigidos.

Comer bacalhau

Marcos Valério disse que fez uma viagem de 3 dias à Portugal na companhia do tesoureiro informal do PTB, Emerson Palmieri. Segundo o empresário, o objetivo da viagem não foi obter recursos para cobrir dívidas do PT e do PTB, como disse Roberto Jefferson, mas para garantir que as suas agências de publicidade mantivessem a conta da empresa Telemig Celular. O empresário acrescentou que o tesoureiro do PTB é seu amigo pessoal e que ele viajou junto apenas a passeio.

Valério negou que apresentou-se ao ex-Ministro das Obras Públicas de Portugal, António Mexia, como representante do governo brasileiro e garantiu que foi à Portugal apenas para tratar de negócios.

Valério disse que quando chegou à Portugal procurou ser recebido pelo Presidente da empresa Portugal Telecom, Miguel Horta Costa, mas que foi-lhe dito que Horta Costa não poderia atender-lhe na ocasião. Valério disse que uma vez frustrada a reunião, ele e Palmieri saíram da empresa e passaram o resto do dia a passear pela cidade, aproveitando para comer bacalhau.

Marcos Valério também confirmou que se reuniu com o então Ministro da Casa Civil José Dirceu e o representante do Banco Espírito Santo Ricardo Espírito Santo. Ele não contou sobre o que foi tratado, e apenas falou que o banco tinha investimentos no país e "queria uma conversa com o chefe da Casa Civil".

Campanhas políticas

Marcos Valério leu uma lista de repasses que beneficiaram tanto políticos do PSDB, em 1998, quanto do PT em 2003 e 2004.

Ele disse que foram pagos R$ 4,5 milhões para o publicitário Duda Mendonça, responsável na época pela campanha de 1998 a governador de Minas Gerais do atual senador Eduardo Azeredo (PSDB). Ele apresentou um recibo de depósito.

Foram também citados os nomes da ex-senadora Júnia Marise (PDT) de Minas Gerais (que teria efetuado saques de R$ 175 mil e R$ 25 mil) e do deputado por Minas Custódio Mattos do PSDB (que teria recebido R$ 20 mil). Segundo o empresário, os nomes que deveriam receber os empréstimos eram passados pelo então coordenador da campanha de Azeredo, Cláudio Mourão.

Valério reclamou que não foi pago pelas pessoas do PSDB a quem efetuou os empréstimos. "Levei cano do PSDB", disse ele. Ele também comentou: "Só que na época não valia a pena brigar com o Azeredo nem com o PSDB porque eles eram governo federal e eu iria perder minhas contas."

O empresário disse que não considera "corruptos ou ladrões", deputados que receberam seu dinheiro, por intermédio de tesoureiros dos partidos. Como exemplo citou: José Borba (PMDB), Eunício Oliveira (PMDB) e Paulo Rocha (PT).

Duda Mendonça e outros publicitários

Marcos Valério disse que o policial Davi Rodrigues Alves mentiu para a CPI dos Correios quando negou o repasse feito para o publicitário Duda Mendonça, ou para a sócia deste, Zilmar Fernandes da Silveira, no valor de R$ 15 milhões, sacados da conta da agência SMP&B, de propriedade do empresário. Valério confirmou a versão apresentada pela diretora financeira de sua empresa, Simone Vasconcelos, e disse que não era verdadeira a versão de Davi Rodrigues, segundo a qual ele teria entregue o dinheiro à SMP&B.

Valério disse: Davi Rodrigues mentiu, nunca visitou minhas empresas. Ele estava, sim, à serviço de Duda Mendonça e de Zilmar Fernandes. A autorização para o saque saiu da SMP&B em nome de Zilmar. Ela foi quem repassou a ordem de saque para Davi. Ele também disse não saber por que o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, autorizou a sócia de Duda Mendonça, Zilmar Fernandes da Silveira, a fazer a retirada do dinheiro.

Marcos Valério disse que toda grande empresa de propaganda tem ou já teve alguma ligação com políticos e citou como exemplo a empresa de Duda Mendonça, a qual fez a campanha de Lula para presidente em 2002. Ele disse que a empresa de Duda detém as principais contas publicitárias do governo, da mesma forma como ocorreu, segundo suas palavras, com a agência de publicidade DM9 de Nizan Guanaes, contratada para a campanha do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso .

O empresário contou que a contratação das agências publicitárias durante o governo Lula era comandado pelo atual ex-Ministro da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica (Secom), Luiz Gushiken, e por Marcos Flora, então secretário-executivo da mesma Secom. Valério disse que no governo de Fernando Henrique Cardoso a tarefa teria sido da responsabilidade do então Ministro da Secretaria de Comunicação Social, Andrea Matarazzo, e de Luiz Aurélio Gonçalves, Secretário de Planejamento e Informação da Presidência da República no governo anterior.

Marcos Valério negou a existência de superfaturamento nos contratos que suas empresas firmaram com o governo federal.

Reportagem original
Reportagem original
Esta notícia contém reportagem original de um Wikicolaborador. Veja a página de discussão para mais detalhes.

Fontes