1) Desde quando você faz parte da WikiNews? Por que decidiu entrar? O que mais o atraiu? Eu entrei no projeto por curiosidade depois de ter lido uma matéria em O Observatório da Imprensa. Não sei se foi depois ou um pouco antes, eu conheci a Wikipedia e fique estupefato com a quantidade de verbetes e com a qualidade de alguns deles.

Eu estou no projeto desde a sua origem (dezembro de 2004). Em fevereiro de 2005 mais pessoas falantes de língua portuguesa resolveram participar e nós sugerimos a criação de uma edição do Wikinews em língua portuguesa. Em 19 de fevereiro de 2005 eu e um grupo de voluntários, a maioria de Portugal, começou o Wikinotícias, a edição em língua portuguesa do Wikinews.

2) No WikiNews, os próprios usuários são os responsáveis por determinar quais notícias são importantes, além de escreverem a matéria. Como funciona esse processo? Qualquer um pode escrever o que quiser ou um assunto, ou "pauta", é proposto a uma equipe do WikiNews?

O processo é o seguinte: você clica com o botão do mouse em "Criar artigo" e começa a escrever sobre qualquer facto noticioso que achar relevante ou curisoso. Ponto. As únicas exigências são que você não faça cópias literais de textos protegidos por direito autoral, seja factual, e que coloque alguma fonte reconhecida para autenticar o seu trabalho. Pedimos também para entrar como usuário no sistema ("fazer login") para evitar a publicação de uma notícia por colaborador anônimo. Esse é o funcionamento básico. Além dele está em fase de preparação um modelo para a publicação de notícias originais (em que a fonte é o usuário), mas para isso é necessário que o colaborador seja conhecido e tenha algum respeito pela comunidade para a cobertura de algum evento específico (acho que só temos uma matéria que pode ser classificada assim, que é uma reportagem de um fotógrafo português sobre uma exposição). Para a cobertura de eventos esportivos não exigimos fontes, e existe uma liberdade um pouco maior também para a cobertura de eventos que sejam testemunhados por um grande número de pessoas (por exemplo: ataques do PCC).

Qualquer um pode escrever sobre qualquer assunto, desde que coloque as fontes/referências, não faça isso de forma anônima, e procure respeitar o Guia de Estilo, Guia de Conteúdo e Código de Ética, os quais estão facilmente acessíveis no website do projeto. Não existe pauta, não existe ninguém para escolher o que é mais ou menos importante. A escolha dos destaques pode ser feita por qualquer um, a qualquer hora, só pedimos para isso seja feito com bom senso e de forma a não tumultuar o projeto.

Não existe uma equipe do Wikinews para escolher as notícias. Não existe escolha de notícias. O que você escrever irá aparecer. Exceções: as únicas ocasiões em que um texto pode ser realmente apagado são: o texto é uma cópia literal de um material protegido por direito autoral (será apagado o mais depressa possível); spam, ofensas, propagandas, brincadeiras de usuários também são candidatos a ser apagados rapidamente. Textos que sejam considerados impróprios para a publicação (por exemplo: sem fontes; muito incompletos; que contenham opiniões pessoais) podem ser barrados, porém não são removidos do sistema. Eles ficam num depósito à espera de que alguém faça as correções. Uma vez corrigidos, são publicados. Se ninguém trabalhar neles depois de algum tempo recebem a marca "abandonados". Os artigos que ficarem abandonados depois de algum tempo (mínimo de 5 dias) podem ser então apagados. De qualquer maneira, qualquer pessoa pode, se achar procedente, pedir para que seja revista a eliminação de um artigo. Quem escolhe o que é impróprio, o que deve ser barrado, o que é violação de direito autoral? Qualquer um.


3) No WikiNews, não há jornalistas profissionais para checar e editar as notícias. Você acha que a própria comunidade pode substituir a presença de jornalistas profissionais? Por que? Quais as dificuldades que você vê nesse processo de evolução do WikiNews?

Não é verdadeira a afirmação de que não há jornalistas profissionais no projeto. Na edição em espanhol há o Juliano que também ajuda a edição portuguesa. Na edição inglesa, que é referência para todas as edições, algumas normas foram escritas com auxílio de jornalistas. Eles podem não ser a maioria, mas não se pode dizer que nenhum jornalista participa ou ajuda a coordenar o projeto.

De qualquer maneira, mesmo que não houvesse jornalista algum, não consideraria isso traumático. Pessoalmente (e essa é minha opinião pessoal e não da comunidade), nos últimos anos, e salvo algumas exceções, considero que a pessoa deixa de ser jornalista depois que entra para uma faculdade de jornalismo. Desculpem-me os meus amigos que estudam ou pretendem fazer uma faculdade de jornalismo. Oxalá eu mude de idéia.


4) Naveguei pelo WikiNews em português e constatei que muitas notícias publicadas já saíram na chamada grande imprensa. Qual o papel que você acha que o WikiNews possui: o de dar uma nova visão às notícias já publicadas na mídia tradicional? Por que? Você acha que, no futuro, teremos entrevistas e notícias descobertas pelos próprios usuários? Como será isso?

Já tivemos tanto entrevistas quanto notícias criadas pela comunidade. A edição inglesa concentra a maior parte de notícias criadas por colaboradores do projeto. Todavia, mesmo na edição em língua portuguesa você pode encontrar, por exemplo, a Entrevista com o Vizinho do Jefferson (com o bloguista Ricardo Lobo), que é uma matéria original feita exclusivamente pela comunidade (nesta matéria em particular participaram colaboradores das outras edições: em língua portuguesa, inglesa e espanhol, no mínimo).

Minha opinião pessoal: o Wikinews serve para informar e ser de alguma forma útil à comunidade. Pessoalmente (não sei se mais pessoas da comunidade compartilham dessa opinião) acho que o Wikinews deve ser um projeto despretencioso, não almejar nada. O Wikinews é o seguinte: eu acho uma notícia interessante e quero compartilhá-la com outras pessoas. Ponto.

O Wikinews não é pioneiro, nem único nesse processo de divulgar notícias. Em muitas listas de discussão é comum as pessoas enviarem notícias que acham interessantes para serem discutidas. A diferença é que no Wikinews não existe discussão da notícia como num fórum, além de a gente procura fazer algo de forma original (sem copiar literalmente) e escrever de forma a englobar várias fontes noticiosas (e nesse ponto talvez possamos dizer que o Wikinews pode não dar uma nova visão, mas reunir as várias visões existentes sobre uma notícia).


5) O que você acha se o IG e o Terra e os jornais Estadão e O Globo incorporarem o chamado "jornalismo cidadão", que é o produzido por internautas, em suas páginas da internet? O que acha do fato de, diferentemente do WikiNews, esses portais e jornais contarem com jornalistas profissionais que checam e editam as informações?

Eu percebo que alguns meios de comunicação já estão a fazer experiências com o chamado jornalismo cidadão, porém vejo que existem algumas limitações para isso.

Deve-se levar em consideração que um portal noticioso como o Estadão, Globo, Terra ou IG têm dificuldades e responsabilidades maiores que o Wikinews. Em primeiro lugar há de se considerar o factor tempo. Não é tão problemático para o Wikinews publicar uma notícia uma semana depois do ocorrido. No jornalismo concorrido profissional o tempo é essencial.

Gente para checar as informações têm que haver, tanto nos portais profissionais, quanto no Wikinews. A diferença é que num projeto como o Wikinews, quem verifica a informação é o leitor, ao passo que num jornal como o Estadão, jornalistas verificaram a informação.

Apesar de ser difícil, acho ser possível, dentro de certos limites, um jornal profissional incorporar o jornalismo cidadão de uma forma bem próxima ao Wikinews. Agora, não sei se o jornal irá gostar de perder o controle do processo, porque é isso que irá acontecer se ele fizer isso.

Eu acho que o papel do jornalista no mundo atual rende uma boa discussão. Infelizmente não há espaço e tempo para eu falar adequadamente sobre esse assunto. O que eu posso dizer é que o mundo atual é mais competitivo para os jornalistas profissionais. Não acredito que seja o fim da carreira do jornalismo profissional, nem das escolas de jornalismo. Porém acredito que a responsabilidade do jornalista aumentou porque hoje ele encontra mais concorrência.

6) No futuro, como você vê a relação entre o jornalismo feito pelos internautas e o feito pela mídia tradicional? Acha que há espaço para os dois? Por que?

A tendência é os internautas fiscalizarem o trabalho feito pelos jornalistas. Este facto aumenta a responsabilidade do trabalho jornalístico profissional que passará a ter um público mais exigente. Neste caso, é importante que o veículo de imprensa profissional tenha uma qualidade de trabalho mínima do contrário irá perder credibilidade muito mais facilmente, com resultados negativos para ele.

A maior dificuldade é para o jornal impresso. Por que alguém irá comprar um jornal impresso se pode ter acesso à informação de uma diversidade de fontes diferentes quanto à natureza, e de toda parte do mundo através da internet? O que é a opinião de um único jornalista frente à opinião de centenas de internautas ao redor do mundo, de origem e pensamentos diferentes? Como se vê a responsabilidade e o nível de qualidade exigido do trabalho jornalístico aumenta com a internet.

Por enquanto, acredito que os jornalistas tradicionais da mídia podem dormir tranqüilo porque eles ainda detém o monopólio de boa parte da informação.

Com o tempo, porém, a situação deles pode piorar, à medida que o jornalismo feito pelos internautas fica mais profissional e ganha maior credibilidade.

Claro, pode haver espaço para os dois. Tudo é uma questão de qualidade e credibilidade.

7) Nome e profissão

Eu reservo o meu direito de não deixar o meu nome completo, apenas o meu pseudônimo que você já conhece. Covardia? Sim. Além disso quero manter separada minha vida privada daquilo que faço na Wikimedia. Posso viver muito bem sem fama.

Eu tenho curso superior, já trabalhei como professor e na iniciativa privada.

Espero ter sido de alguma forma útil a você, e desculpe-me caso eu não possa ter lhe ajudado mais.


Muito atenciosamente


Carlos