Brasil • 23 de fevereiro de 2008

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Segue abaixo a transcrição da entrevista do Assessor Especial da Presidência da República do Brasil, Marco Aurélio Garcia.

A entrevista foi concedida em 11 de janeiro de 2008 para o programa Repórter Brasil da Agência Brasil.

INÍCIO DA TRANSCRIÇÃO

(1a)Agência Brasil — E para falar como foram as negociações para a libertação dos reféns está aqui com a gente o Assessor Especial da Presidente[corrige-se], da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia. Boa noite.

(1b)Marco Aurélio Garcia — Boa noite.

(2a)Agência Brasil — O senhor recebeu um telefonema ontem de um Ministro das Relações Exteriores da Venezuela, foi se comunicando sobre a operação. Não foi?

(2b)Marco Aurélio Garcia — O Ministro Nicolás Maduro telefonou ontem à tarde pra informar que as FARC finalmente haviam passado as coordenadas. Que é o que nós távamos esperando já há muito tempo e que portanto hoje cedo seria possível que os helicópteros decolassem pra buscá. Ele foi muito gentil, dizendo 'Olha nós vamos ter que fazer a operação sem os demais garantos, por uma questão inclusive de rapidez, mas eu tô fazendo esse [corrige-se] essa chamada pra avisá-lo, avisar o Presidente Lula e ao mesmo tempo agradecer o trabalho que vocês realizaram na etapa anterior'.

(3a)Agência Brasil — Um alívio depois da frustração do final do ano de não terem concretizado essa libertação?

(3b)Marco Aurélio Garcia — Sem dúvida. Ainda que eu ache algumas das questões que nós levantamos na [corrige-se], nos garantes que levantamos na, naquela etapa da negociação tiveram uma incidência muito positiva porque um dos aspectos que se colocou ao Presidente Uribe e que ele aceitou e foi muito positivo nisso foi que se criasse uma zona desmilitarizada, isto é, uma área...ah...que permitisse concretamente com que os guerrilheiros das FARC deixassem as duas mulheres sem que sofressem nenhum tipo de constrangimento militar. Ao mesmo tempo nós também colocamos na nota quando encerramos aquela etapa da negociação que era fundamental que as FARC não aproveitassem essa, esse virtual cessar-fogo pra realizar ações armadas. Eu acho que isso ajudou um pouco a que a missão hoje se fizesse com a rapidez que nós esperávamos que ela tivesse naquele momento.

(4a)Agência Brasil — O senhor acredita que a libertação das duas reféns abre caminhos para que situações, que outras situações de conflito também sejam resolvidas com diplomacia?

(4b)Marco Aurélio Garcia — Olha, é difícil dizer isso de uma forma categórica. Nós, a esperança que tínhamos: o governo brasileiro, o governo argentino, e os outros governos que se envolveram, e inclusive sobretudo o governo venezuelano era que efetivamente que com esse acordo humanitário exitoso houvesse a possibilidade de que novas tentativas exitosas se realizassem, novos projetos de libertação dos reféns. Mas é evidente que isso aí coloca problemas de enorme complexidade porque envolve fundamentalmente um diálogo que é difícil, que é complexo, por razões mais do que evidentes entre o governo colombiano e as FARC, por um lado, e por outro lado uma pressão internacional que se avoluma cada vez mais para que se tenha uma solução humanitária naquele país.

(5a)Agência Brasil — Por falar em pressão internacional, houve participação de outros países fora da América Latina nessas negociações?

(5b)Marco Aurélio Garcia — Nessa última negociação, sim. Nós, o grupo de garantes, os comissionados, como nos chamavam lá, tava integrado pela Argentina, pela Bolívia, pelo Equador, pela Venezuela, evidentemente, Suíça, França, Cuba e Brasil.

(6a)Agência Brasil — O senhor esteve em Villa San Vincenzo, não é isso? Qual é a sensação das pessoas que moram aí tão próximas ao domínio das FARC?

(6b)Marco Aurélio Garcia — É interessante. Villa San Vincenzo é uma cidade que, diz-se que tem 200 mil habitantes. Não dá a impressão de uma cidade de 200 mil habitantes. É uma cidade que fica numa zona chamada [inaudível] colombiano. É interessante porque é uma cidade, é uma região onde há muitos investimentos brasileiros em biocombustíveis atualmente. Eles estão fazendo. E é uma cidade que há até pouco tempo era muito conflagrada do ponto de vista militar. Hoje menos. Ainda que seja a base de operações do Exército Colombiano, das Forças Armadas Colombianas, na sua luta contra a guerrilha. Então é uma cidade neste particular muito militarizada. Nós tivemos contatos com a população civil, aliás foi de uma gentileza, de uma receptividade, tanto o governo, quanto o povo colombiano conosco, e uma das coisas que nos tocou particularmente, que foi um elemento a mais de estímulo para nossa iniciativa lá foi um desejo muito forte da parte dos colombianos que se lograsse a paz. Que se obtivesse êxito nessa operação, sempre com a expectativa de que se nós tivéssemos êxito ali, nós taríamos abrindo caminho para uma negociação futura de maior amplitude, quem sabe até a tentativa de resolução desse conflito que já dura mais de 40 anos pela via de um acordo.

(7a)Agência Brasil — Senhor Marco Aurélio, como é que o governo brasileiro vê as FARC, classifica as FARC?

(7b)Marco Aurélio Garcia — Olha, nós sempre tivemos uma preocupação de não classificar ninguém. Eh.. Já desde o começo do governo, essa pergunta me foi colocada: 'Mas as FARC não são uma organização terrorista, narcotraficantes, etc, etc'? E nós dizemos o seguinte: o governo tem as suas opiniões, tem as suas análises, etc e etc. Mas o governo não é, o governo brasileiro, diferentemente de outros governos, não tem o hábito de distribuir certificados: 'tais são bons, tais são maus, tais são isso, tais são aquilo'. Nós não fazemos. Bem... Países que fazem isso, não nos parece que seja uma boa conduta pra alimentar uma boa política externa. Em segundo lugar, nós sempre defendemos de que os problemas da Colômbia deveriam ser objeto de uma negociação. Se você qualifica depreciativamente as FARC, o governo colombiano, o Hug... [corrige-se] ou quem quer que seja, você de uma certa forma fica inabilitado pra levar adiante uma negociação. Como é que eu vou negociar com alguém que eu qualifico de uma forma tão dura. Ah. Então nós procuramos adotar isso. Isso não significa que nós não tenhamos opiniões, que nós não tenhamos critérios muito precisos, nós repudiamos evidentemente ações de seqüestro, obviamente nós não só criticamos o narcotráfico como nós combatemos o narcotráfico no Brasil, mas nós não entramos nessa qualificação porque isso significaria de uma certa maneira uma inabilitação do governo brasileiro pra participar de forma plena e exitosa em negociações, como nós participamos dessa.

(8a)Agência Brasil — Repórter Brasil agradece a entrevista de Marco Aurélio Garcia, Assessor Especial da Presidência da República.

FIM DA TRANSCRIÇÃO

Referências