22 de junho de 2024

Email Facebook Twitter WhatsApp Telegram

 

Após mais de 20 anos como meta de duas edições do Plano Nacional de Educação, a superação do analfabetismo é uma barreira ainda não transposta, incompatível com a nona maior economia do mundo. São 11,4 milhões de brasileiros analfabetos — o equivalente à população do município de São Paulo ou de um país como a Bélgica — cerceados em sua liberdade e dignidade por não saberem ler e escrever. Os dados do Censo Demográfico de 2022 apontam desigualdades que permeiam esse grupo, com recortes etário, regional, econômico e racial bem pronunciados.

Apesar de o número ser bem menor do que na década de 1940 (quando a taxa de analfabetos na população acima de 15 anos chegava a 56%) e ter caído de 9,6%, em 2010, para 7%, em 2022, o analfabetismo continua sendo um sério problema estrutural no país. O Estado — por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA) —, universidades públicas e privadas e ações comunitárias tentam atacar o problema, que ainda parece longe de ser superado.

Em entrevista à Agência Senado, a secretária de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação, Zara Figueiredo, diz que, quanto à taxa de não alfabetizados, “não estamos regredindo, mas não temos conseguido melhorar esse dado”.

— Quando se pega a taxa de 1940, nós melhoramos, com redução significativa. Mas numa sociedade da informação, numa sociedade tecnológica, numa sociedade do conhecimento, você conviver com 11 milhões de pessoas não alfabetizadas é inaceitável. Porque isso tem efeito sobre a economia, sobre a democracia, sobre a cidadania. Nos últimos anos, nós não tivemos uma redução significativa desses indicadores de analfabetismo — afirma Zara.

Dos 11 milhões de não alfabetizados, pouco mais de 1 milhão tem entre 15 e 39 anos.

— Imagina hoje o que é para pessoas jovens, que estão no mercado de trabalho ou deveriam estar, não ler ou escrever. O WhatsApp, só usam por meio de áudio. Elas precisam de ajuda para usar o caixa automático, elas criam estratégias principalmente para saber qual ônibus pegar, porque têm vergonha de não serem alfabetizadas. Então, esse é um dado sério — diz a gestora.

Às vésperas de perder a vigência e com a maioria das metas não cumpridas, o PNE 2014-2024, que finda neste mês de junho (com possibilidade de ser prorrogado caso seja aprovado o PL 5.665/2023, recém-encaminhado à Câmara pelo Senado), tem como meta 9 "erradicar o analfabetismo absoluto” e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional (quando a pessoa sabe ler ou escrever, mas não consegue compreender textos simples ou fazer operações matemáticas). Também prevista na edição 2001-2010 do PNE, a superação do analfabetismo inevitavelmente continuará a ser meta a perseguir no próximo plano, que o governo federal deve encaminhar ao Congresso em breve.

O analfabetismo atinge a população brasileira de forma desigual. Ele é maior entre os mais velhos — a taxa entre as pessoas idosas acima de 65 anos chega a 20,3%, de acordo com o Censo Demográfico 2022: Alfabetização. Mas o percentual quase caiu à metade, se comparado ao ano 2000, quando 38% desse grupo eram analfabetos. O grupo mais jovem, dos 15 aos 19 anos, tem o menor índice (1,5%).

Mulheres que sabem ler e escrever são 93,5%, um ponto percentual acima dos homens. Elas são minoria apenas na faixa etária dos 65 anos ou mais, quando os homens alfabetizados chegam a 79,9%, contra 79,6% delas. A maior diferença registrada entre os gêneros é para o grupo de 45 a 54 anos, com 2,7 pontos percentuais a mais de alfabetização para o público feminino.

Municípios menores, com população entre 10.001 e 20.000 habitantes, têm a maior taxa média de analfabetismo: 13,6%, percentual pelo menos quatro vezes superior ao dos municípios com mais de 500 mil habitantes (3,2%), o que, de alguma maneira, reflete o poderio econômico das cidades e suas populações.

As piores taxas de analfabetismo foram registradas na Região Nordeste (14,2%), que tem vários municípios com percentuais acima de 30% — caso de Floresta do Piauí (PI), com 34,7%. Mas o pior índice municipal do país está mesmo é no Norte, em Alto Alegre (RR), que somou 36,8%. Na contramão, está a Região Sul, onde a alfabetização alcança 96,6% da população. Em São João do Oeste (SC), não chega a 1% o percentual de habitantes que não sabem ler e escrever.

As discrepâncias de raça/cor e socioeconômicas também afetam a alfabetização. Enquanto entre as pessoas de raça branca e amarela os índices de analfabetismo são de 4,3% e 2,5%, respectivamente, as de raça preta e parda amargam percentuais mais do que duas vezes maiores: 10,1% e 8,8%. Entre os indígenas, são 16,1%, ou seja, quase quatro vezes mais do que entre brancos.

Na comparação entre 2010 e 2022, a diferença percentual entre brancos e pretos sofreu queda de 8,5 para 5,8 pontos percentuais, e de 7,1 para 4,3 pontos entre brancos e pardos.

Segundo a diretora executiva do Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra), Cristina Lopes, há várias razões para essa desigualdade, e a primeira delas é o racismo institucional, que de uma forma geral “trata pior pretos e pardos do que os brancos em qualquer nível socioeconômico”.

— Também é importante mencionar as próprias discrepâncias socioeconômicas entre esses grupos. No que diz respeito à trajetória escolar, os alunos negros apresentam mais atraso do que os alunos brancos, seja por reprovação ou abandono. E a escola não tem como compensar todos esses efeitos. Um dado que ilustra bem essa desigualdade é a distorção idade/série, que é um atraso de pelo menos dois anos em relação à idade/série adequada. Essa distorção é maior entre os alunos negros do que entre os alunos brancos — afirma Cristina.

Apesar de a EJA ser uma das principais fontes de ação na superação do analfabetismo e estar incluída em três metas do PNE, o número de alunos e escolas que ofertam as turmas (geralmente no período noturno) vem caindo há um bom tempo. Há dez anos, 36,7 mil unidades escolares ofereciam esse tipo de educação, número 17,5% menor em 2023, quando havia 30,3 mil unidades.

Da mesma forma, em 2014 foram 3,65 milhões de matrículas, enquanto no ano passado os matriculados na EJA eram 2,58 milhões, uma diferença a menor de 29,11%.

Para a secretária Zara Figueiredo, o trabalho do colegiado do Senado que vai acompanhar a educação de jovens e adultos “é vital” e trará uma contribuição imensa à EJA. Ela lembra que superar o analfabetismo e melhorar os anos de estudo das pessoas são metas em uma política multifacetada.

— A EJA nasce subfinanciada. Desde que o Fundeb foi criado, a primeira vez na história que a EJA teve um aumento de recurso de 0.8 para 1.0 foi no final do ano passado — ressalta a secretária do MEC.

Isso quer dizer que um aluno da EJA representava 80% do valor de um aluno do ensino fundamental I — o que não fazia sentido, segundo Zara, já que essa modalidade precisa de muito mais recursos por abranger turmas maiores, que precisam de pedagogia diferenciada, currículo diferenciado e que, para melhorar a qualidade, precisa acontecer integrada ao ensino técnico.

— Há poucos incentivos para as redes fazerem um movimento para qualificar a EJA. Há poucos incentivos em políticas públicas. Não há monitoramento eficaz como no ensino fundamental I, na alfabetização de crianças. Todos esses elementos mostram para nós que, de fato, historicamente a EJA vem sendo assumida como uma política de segunda classe. E também há pouco incentivo para que o estudante venha se alfabetizar na rede ou fora da rede.

Por isso, a ação não deve ser restrita à oferta, mas deve atingir também a demanda. A evasão, por exemplo, é alta. Entre 2018 e 2023, houve perda de 27% de matrículas da EJA.

A proposta do MEC é, até 2027, reduzir em 50% o atual número de analfabetos entre 15 e 39 anos. A pasta pretende ainda diminuir em pelo menos 20% o analfabetismo entre pessoas com 40 anos ou mais.

— Esse é o público mais difícil. Eles não são alfabetizados na escola, mas por meio de alfabetização popular — afirma a secretária Zara.

Para quem não concluiu a educação básica, o governo trabalha com projeção de aumento de 22% nas matrículas por ano na EJA.

— Essa é uma grande ambição nossa. Porque aí chegaríamos em 2028 com um índice de recuo satisfatório. E para a EJA integrada à educação profissional, a nossa meta é que a gente consiga chegar em 2028 com 12,5% de oferta.

Fontes

editar