Starlink resiste a fazer mudanças na identificação de usuários na região amazônica brasileira
21 de outubro de 2024
A Starlink, empresa que comercializa antenas de comunicação via satélite do bilionário Elon Musk, resiste a mudar seu método de identificação dos compradores do produto no Brasil, como, por exemplo, adicionar cuidados adicionais como uso de videochamadas e biometrias faciais.
A empresa tem condição técnica de identificar e localizar compradores e usuários de suas antenas de comunicação via satélite, inclusive as utilizadas em garimpos ilegais em terras indígenas, mas adota apenas critérios básicos durante o processo de contratação.
O procurador da República em Manaus, capital do estado do Amazonas, André Luiz Porreca Ferreira Cunha disse à Agência Pública que “cerca de 90%” das antenas Starlink apreendidas desde 2022 em garimpos ilegais na Amazônia estavam registradas em nome de laranjas (pessoas que servem de fachada para intermediar fraudes).”
A empresa reconheceu que, no ato da venda, exige apenas informações básicas, como dados pessoais, endereço e contato telefônico, mas argumenta que inexiste lei brasileira que a obrigue a agir de forma diferente.
“Sem dúvida está comprovado [o uso de laranjas]. Quando se apreende a antena e vai se ver o comprador, são pessoas que não residem na Amazônia. Residem no Sul, no Sudeste, no Centro-Oeste. O que causa uma estranheza gigante. São pessoas que não residem no local em que a antena é apreendida”, disse o procurador da República, que, em maio, abriu um inquérito civil para investigar o avanço do uso das antenas Starlink pelo crime em áreas de garimpo e mineração ilegais.
A chegada das antenas Starlink à Amazônia a partir de 2022, ainda no governo de Jair Bolsonaro (PL, Partido Liberal), revolucionou a comunicação em regiões com pouco ou nenhum sinal de telefone celular, mas passaram a ser usadas também, em larga escala, para atividades criminosas, principalmente por garimpeiros que invadem terras indígenas a fim de roubar minérios.
A Pública revelou que desde março de 2024 ao menos 50 antenas Starlink foram apreendidas em garimpos ilegais dentro da Terra Indígena Yanomami, a maior terra indígena do Brasil.
Em maio, o Ministério Público Federal (MPF) abriu um inquérito civil a fim de “apurar o avanço da internet via satélite em áreas de garimpo e mineração ilegais no Estado do Amazonas, especialmente sob o viés da irrestrita disponibilização do serviço por parte da empresa Starlink’’.
Eles apontam ainda que [a empresa] não tem adotado critérios básicos de verificação da identidade dos usuários e da veracidade da documentação apresentada e dos endereços declinados no momento da contratação, fomentando, hipoteticamente, a prática de crimes ambientais”.
- Falta de colaboração com autoridades brasileiras
A investigação revelou também que a empresa não tem colaborado com o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), órgão responsável pela repressão aos crimes ambientais.
Ao MPF, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, afirmou que as antenas se tornaram “instrumentos utilizados para a prática das infrações ambientais”, destinadas “a viabilizar e facilitar a comunicação das pessoas que se encontram nas frentes de lavra ilegal com pessoas localizadas nas cidades’’, o que ajudaria na “logística, no envio de suprimentos e mantimentos, bem como em toda a articulação necessária para viabilizar a continuidade do crime ambiental”.
A Polícia Federal (PF) informou ao MPF, segundo o diretor da Amazônia e Meio Ambiente, delegado Humberto Freire de Barros, que a disposição da Starlink em colaborar com as suas investigações mudou apenas “recentemente”, quando a empresa começou a repassar informações de dados cadastrais às autoridades.
O procurador da República André Cunha, que acompanha o caso, avaliou à Pública que há ilegalidade na atuação da empresa: “Essas antenas não podem permanecer nas mãos de usuários laranjas, de pessoas que residem em outros estados e estão fornecendo os dados para usuários daqui na Amazônia. E não podem ser usadas como instrumentos do crime e nenhuma medida ser adotada e essas pessoas não serem identificadas. Porque a empresa tem o dever de, pelo menos, fornecer os dados para que os órgãos públicos possam saber quem são.”
Por ofício, Cunha indagou à Starlink quais mecanismos a empresa tem adotado para verificação da identidade dos compradores, citando como exemplos “biometria facial, videochamada, conferência manual de documentos de identificação”. De acordo com a própria empresa, ela exige apenas “informações básicas” para o cadastro do comprador.
Em resposta assinada pelo diretor da Starlink Brazil Serviços de Internet e da Starlink Brazil Holding Ltda., Vitor James Urner, a empresa argumentou que “não existe no Brasil lei ou regulamentação que obrigue prestadores de serviços de telecomunicações, ou prestadores de serviços de outros setores regulados, à utilização de identificação biométrica dos usuários”.
Urner afirmou que a Starlink “adota medidas proativas para identificar o uso dos serviços que disponibiliza para fins lícitos [sic] no Brasil e no mundo todo” e que tem colaborado com a Polícia Federal brasileira.
Em julho, os advogados que representam a Starlink no inquérito solicitaram uma reunião com o procurador André Cunha. Conforme a ata, durante a reunião o procurador voltou a questionar a empresa sobre as medidas tomadas para melhorar a identificação dos compradores das antenas. A advogada representante da empresa ressaltou “a existência de limitações impostas pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)” para que a empresa não reforce o nível de exigências de identificação dos usuários.
Em sua resposta por escrito, a empresa argumentou que “como qualquer outro bem eletrônico de mercado de massa, a Starlink não pode ser obrigada a policiar de forma independente a forma na [sic] qual cada terminal é usado após a compra”.
- 68 antenas desativadas na Terra Indígena Yanomami
Entre os documentos enviados pela Starlink ao MPF, a própria empresa afirma que desativou 68 terminais de usuários localizados na Terra Indígena Yanomami “por suspeita de violação aos Termos de Serviço”.
“A Starlink usou os dados disponíveis para identificar terminais de usuários em áreas associadas ao garimpo ilegal nas terras indígenas Yanomami. […] Os usuários da Starlink afetados pelas desativações foram instruídos a fornecer determinadas informações de verificação, incluindo prova de identificação e uma descrição detalhada de como planejam usar os serviços da Starlink, para garantir que a Starlink seja usada apenas para fins legítimos”, afirmou a empresa.
Dessa forma, o documento confirma que a empresa tem condições técnicas de saber onde estão e quem comprou todas as antenas de comunicação via satélite utilizadas por garimpeiros ilegais que operam, por exemplo, dentro de terras indígenas. Porém, a empresa alegou ao MPF que “as prestadoras de serviços de telecomunicações estão sujeitas à proibição legal expressa quanto à inviolabilidade do sigilo do fluxo das comunicações dos usuários pela internet, salvo por ordem judicial”.
Em resposta ao MPF, a Starlink disse ainda que “nenhum usuário pode ter múltiplas antenas e, se for detectado pela Starlink, os usuários que estiverem praticando revenda ilegal têm imediatamente os respectivos contratos suspensos”.
A empresa afirmou que tem colaborado com a PF – inclusive “permitiu” que uma delegacia do órgão “utilize um Kit Starlink para auxílio no combate ao crime” – e que, no ano passado, respondeu a ofício da PF de Roraima e “forneceu informações importantes à [Superintendência Regional] da Polícia Federal, que viabilizaram a captura de diversos garimpeiros nas comunidades indígenas Yanomami, além da apreensão de 11 equipamentos da Starlink”.
“As medidas adotadas no dia a dia pela Starlink, na identificação de usuários que se valem os serviços para o exercício de atividades ilícitas, e o apoio oferecido às autoridades locais competentes são uma amostra clara do compromisso da Starlink de colaborar com a Justiça e autoridades no Brasil, no máximo nível possível, para fins do combate ao garimpo ilegal”, disse a empresa ao MPF.
Procurado pela Pública, o escritório que representa a Starlink no inquérito civil, o Tozzini Freire Advogados, respondeu: “Obrigada pelo seu contato, mas infelizmente não comentamos casos em andamento”.
A Starlink informou à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) possuir, até 2023, 23.191 usuários no Amazonas, 21.406 no Pará, 2.792 no Amapá, 5.831 em Roraima, 2.998 em Rondônia, 3.707 no Acre e 5.285 no Tocantins, em um total de 65.215 clientes nesses estados da Amazônia. A empresa tem autorização da Anatel para operar 4.408 satélites até 2027. Ela solicitou autorização para operar mais 7 mil unidades.
A empresa chegou a ser envolvida no enfrentamento mais recente entre Elon Musk com o Supremo Tribunal Federal (STF), devido à suspensão do X (antigo Twitter) e descumprimento de ordens pela rede social.
A Starlink chegou a ter bens bloqueados, na época, seguindo uma decisão do Supremo por multas devidas pelo X. As contas foram liberadas depois do pagamento de R$ 18,3 milhões (cerca de US$ 3,3 milhões) em multas
Fontes
editar- ((en)) Starlink resists making changes in identifying users in Brazil's Amazon region — Global Voices, 18 de outubro de 2024
Esta notícia é uma transcrição parcial ou total do Global Voices. |