São Paulo, São Paulo, Brasil • 15 de junho de 2016
Em tempos de crise, um assunto pouco conhecido que volta sempre à tona, na tentativa de discutir possíveis soluções para o combate do cenário macroeconômico mundial, é o das reservas internacionais.
De forma simplificada, elas são uma espécie de seguro contra o declínio das contas públicas, preservado em moeda estrangeira dos bancos centrais espalhados pelo mundo, existindo por meio do endividamento público - é uma dívida que financia sua própria política econômica. No caso do Brasil, que atualmente possui cerca de US$ 370 bilhões nesta conta[1], a utilização deste método divide opiniões entre os que defendem a sua manutenção e os que apoiam o seu uso.
Apesar de não muito divulgada, a questão entre usar ou não as reservas internacionais vem causando grandes discussões no mundo da economia. Aos que seguem cartilha liberal, a chance de vender as reservas para aplicar a nova receita em outra área e ainda iniciar política de câmbio flutuante ao dólar pode parecer uma saída. Já os que defendem a manutenção das cifras temem pela fragilidade da economia ante um cenário desfavorável e acredita que as reservas são a garantia brasileira para evitar um default.
O uso das reservas internacionais também pode ser visto como uma saída para reparar o desequilíbrio fiscal, como forma de tentar retomar o crescimento econômico no Brasil. Quanto a esse ponto de vista, o economista Amir Khair mostra-se a favor, defendendo o uso das mesmas para equilibrar as contas e diminuir os efeitos da crise no país.
"O Fundo Monetário Internacional tem estudos que mostram que o excesso no Brasil é de US$ 200 bilhões. Carregar essa reserva, significa todo ano uma perda com juros na ordem de R$ 200 bilhões. Caso fosse vendido o excesso de reservas, o Brasil economizaria R$ 100 bilhões, que é um número expressivo em face ao rombo das contas públicas [...] O Brasil atravessou a crise de 2008 com 200 bilhões de dólares sem problema nenhum de ataque à moeda", exemplifica Khair como argumento de sua defesa.
As reservas, entretanto, têm seu custo, e como explica o economista Roberto Luis Troster, seu uso seria a melhor forma de zelar pela estabilidade da moeda americana.
"É uma questão financeira, as reservas funcionam como um seguro, como você ter caixa em uma empresa. Fazendo uma analogia: quando você tem um caixa muito alto, esse caixa não rende e, se a empresa se endividada, o custo de ter esse caixa é o custo da dívida correspondente".
A favor de sua utilização, Troster entende que existem outras formas de lidar com essa situação.
"O Governo poderia se endividar mais lá fora em vez de usar isso, ou usar uma linha de contingência do Fundo Monetário Internacional[2]. O volume de reservas é muito alto, é muito caro. Poderia tanto baixar um pouco o volume, como também modernizar um pouco o mercado cambial brasileiro para não depender tanto das reservas para avançar", expõe o economista.
Com o excedente de aproximadamente R$ 800 bilhões, o Brasil conseguiria diminuir a dívida bruta de 64,6% do PIB para 50,6%, o que significaria uma economia de R$ 112 bilhões com o dólar a R$ 4 e uma taxa de juros de 14%. Para Troster, ter um bom valor de reservas internacionais pode não ser a solução, e relembra que a medida não adiantou nos idos de 1998/99.
“Se você tem reservas altas assim e não usa, para que se tem? Mais uma vez, para que temos uma coisa parada? Essa é a grande pergunta. Se você tem alguma coisa, tem uma utilidade para ela. Do ponto de vista financeiro, não faz muito sentido. Agora ter reservas vira uma questão ideológica, mas tudo pode mudar na economia. Justamente, se tem a gestão de uma economia para administrar da melhor maneira possível. Ter reservas altas, em 1998/99, não evitou a crise cambial. Deve-se saber até que ponto se usa isso. Ter um valor fixo está custando caro”.
Em contrapartida, se as reservas continuarem como estão, com esse valor altíssimo, existem benefícios também de mantê-las?
“Se você tem reservas altas assim e não usa, para que se tem? Mais uma vez, para que temos uma coisa parada? Essa é a grande pergunta. Se você tem alguma coisa, tem uma utilidade para ela. Do ponto de vista financeiro, não faz muito sentido. Agora ter reservas vira uma questão ideológica, mas tudo pode mudar na economia. Justamente, se tem a gestão de uma economia para administrar da melhor maneira possível. Ter reservas altas, em 1998/99, não evitou a crise cambial. Deve-se saber até que ponto se usa isso. Ter um valor fixo está custando caro”, complementa Troster.
Apesar do debate teórico, o assunto das reservas também foi outro afetado com a polarização política no Brasil, e para alguns economistas, a decisão de usa-la ou não passa por motivações políticas. Khair avalia a manutenção das reservas não como uma questão ideológica, mas sim como um excesso de zelo do governo federal, que enxerga no valor em depósito um trunfo para a instabilidade das contas públicas.
“Eu acho que não, na realidade, o não uso das reservas atende um objetivo do Governo de um excesso de segurança diante da questão da fragilidade das contas públicas no Brasil, acho que é mais por essa razão. Agora, eu não vejo problema uma vez que você tem uma conta externa no Brasil caminhando para o equilíbrio - coisa que não acontecia desde 2007 - e com perspectivas até de superávit na conta externa a partir do ano que vem”, diz.
Na contramão de Khair e Troster, economistas que defendem as reservas usam a instabilidade da economia como motivo principal para manter números tão expressivos sem movimentação. Sob a alegação de ser um passivo anti-dívidas, economistas como Affonso Celso Pastore são defensores de uma maior cautela quando o assunto é a política fiscal brasileira.
“Se o proprietário de uma casa muito exposta ao risco de incêndio deixasse de pagar o seguro para aumentar o consumo da família, correria o risco de perder seu patrimônio. Melhor seria tratar de reduzir a exposição ao risco, o que no caso do Brasil significa melhorar a política econômica", comenta.
Essa linha de pensamento ainda defende que as reservas são uma garantia para o investidor internacional, e que sua venda poderia significar sinal de desespero do governo brasileiro, notícia que poderia acarretar em uma enorme fuga de dinheiro do Brasil, piorando ainda mais o quadro da economia brasileira.
Fontes
- Affonso Celso Pastore. Governo deve usar reservas internacionais para combater a crise? Não — Folha de S.Paulo, Janeiro 30, 2016
- Roberto Luis Troster. Governo deve usar reservas internacionais para combater a crise? Sim — Folha de S.Paulo, Janeiro 30, 2016
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