Brasil • 22 de dezembro de 2005
A CPI dos Correios tornou público nesta quarta-feira (21) relatório parcial de suas atividades. O principal conteúdo deste relatório foi a apresentação de elementos que apontam para a existência do mensalão, um fundo de recursos usados para o atendimento de interesses políticos-partidários, segundo definiu a CPI.
O relator da CPI, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) afirmou: "Há provas testemunhais produzidas pelo próprio sistema, além das confissões que já tivemos. Lamentavelmente, o meu convencimento pessoal é de que tínhamos um sistema de corrupção de parlamentares".
O relator também observou que o pagamento do mensalão e a prática do caixa dois (fundos de campanha não declarados), que foi assumida pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e até pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não se excluem.
Funcionamento do esquema
Os pagamentos para políticos não foram só mensais. Eles chegaram a ser até semanais, configurando um "semanadão".
Segundo o relatório a movimentação do "Valerioduto" -apelido para o esquema montado por Marcos Valério e usado pelo PT- foi de R$ 2,6 bilhões no período de janeiro de 1997 até agosto de 2005. O dinheiro era repassado pelo Banco Rural, Banco BMG, Corretora Bônus-Banval/Natimar e Guaranhuns.
O relatório identificou quatro padrões para repasse do dinheiro:
- Pagamentos semanais: foram feitos pagamentos semanais para o Partido Liberal (PL): o PT repassou mais de R$ 6 milhões semanalmente para o PL por intermédio da Corretora Guaranhuns.
- Troca de partido: vários pagamentos foram feitos em maio de 2003, época em que houve intenso ingresso de deputados no aliado Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Muitos repasses foram feitos entre janeiro e fevereiro de 2004, o que coincide com a mudança de parlamentares para o PP, outro partido da base aliada do Governo.
- Compra de votos: a partir de setembro de 2003 pagamentos passaram a ser feitos em datas próximas de votações de projetos importantes para o Governo. Inicicialmente o dinheiro era retirado na caixa do banco, depois a sistemática mudou. Os saques chegaram a mais de R$ 15,2 milhões.
- Pagamentos para o Partido Progressista (PP): em intervalos de dois e três dias foram feitos pagamentos para o PP através da Corretora Bônus-Banval, e feitos entre os meses de Abri e junho de 2004, num total de R$ 6,6 milhões.
O relatório mostrou que recursos públicos e de empresas privadas, recursos do exterior e de fundos de pensão foram usados para alimentar o esquema de corrupção. Entre as empresas privadas que mais teriam financiado o esquema estão a Brasil Telecom, a Telemig Celular, a Amazônia Celular, a Usiminas e a Cosipa.
Em relação ao setor público a CPI continua a investigar o Banco do Brasil, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, o Ministério do Trabalho, o Ministério do Esporte e a Eletronorte.
O relatório identificou os 14 maiores depositantes das contas de Valério. Entre as empresas públicas os 4 maiores depositantes foram Banco do Brasil (R$ 88 milhões), Secretaria da Fazenda (64 milhões), ELETRONORTE (41 milhões) e Ministério do Trabalho (40 milhões). E entre as empresas privadas os 4 maiores depositantes foram: Telemig (122 milhões), Visanet (92 milhões), Amazônia Celular (36 milhões), Grupo Siminas (32 milhões).
As receitas públicas das empresas de Valério eram inferiores a 50 milhões em 2000 e passaram a mais de 200 milhões em 2005. O gráfico abaixo, tirado do relatório da CPI mostra que houve um crescimento substancial nas receitas do empresário depois da posse de Lula em 2002.
O crescimento ocorreu tanto para as receitas do setor privado quanto para o do setor público. Contudo o crescimento das receitas do setor público foram bem maiores.
Contradições na versão de Marcos Valério
Segundo Marcos Valério o dinheiro dado ao PT que era depois transferido a políticos foram empréstimos feitos a bancos, entre eles o Banco Rural e o Banco BMG.
O relatório apontou as seguintes contradições na versão apresentada por Valério:
- A empresa SMPB de Marcos valério emprestou um grande valor (R$ 55 milhões), a juros inferiores a de mercado e sem que houvesse a definição de uma data para o pagamento da dívida.
- As contabilidades das empresas de Valério não são confiáveis tendo em vista que essas empresas emitiram cerca de 80 mil notas fiscais falsas. Além disso elas não têm o registro contábil entre 1998 e 2002.
- Os empréstimos eram feitos com poucas garantias. Os principais avalistas que foram o ex-tesoureio Delúbio Soares e o ex-Presidente do PT José Genoíno têm declarado patrimônio pequeno frente ao montante emprestado.
- Não há contracto assinado que prove que houve realmente empréstimos entre o PT e a SMPB.
- Empréstimos eram renovados sem que houvesse a cobrança dos referidos encargos bancários.
- Beneficiários do Valerioduto fizeram saques nos Banco Rural antes que o primeiro empréstimo tivesse sido formalizado.
- A CPI duvida que apenas o tesoureiro Delúbio Soares soubesse sobre os empréstimos, se é que eles existiram.
- A receita declarada do PT era de R$ 48,1 milhões em 2004. O partido acumulava também uma despesa de R$ 68,6 milhões . Nessa época, foram feitos repasses do PT pela SMPB no valor de R$ 55 milhões.
- Os valores repassados a terceiros é superior ao valor que foi declarado como emprestado. Segundo Marcos Valério e Delúbio foram emprestados R$ 51,8 milhões. Contudo foram repassados R$55,8 milhões, havendo um déficit de R$ 4 milhões.
Irregularidades
As empresas de Marcos Valério, DNA e SMPB, são acusadas pela CPI dos Correios e pela Polícia Federal de terem cometido diversas irregularidades e participado de operações suspeitas.
Entre as irregularidades há a emissão de 80 mil notas fiscais falsas pelas empresas de Marcos Valério (25 mil da SMPB 55 mil da DNA) e cheques que não foram contabilizados. Um laudo da Polícia Federal apontou diversas fraudes contábeis e fiscais.
Grandes somas de dinheiro foram concedidas pelos bancos na forma de empréstimos ou adiantamento para serviços, quase sem nenhuma garantia, foram feitas renovações de empréstimos sucessivamente, sem amortizações, nem pagamentos de juros.
O relatório da CPI apontou irregularidades no contrato de publicidade do Banco do Brasil e VISANET com a DNA Propaganda. Segundo ele a cláusula contratual no valor de R$ 38 milhões de transferência de Bonificação de Volume (BV) ao Banco do Brasil não foi cumprida pela DNA.
O relatou informou também que uma auditoria do Banco do Brasil mostrou que os adiantamentos para Valério não foram justificados e não tiveram sua necessidade comprovada. Os adiantamentos foram suportados por notas fiscais emitidas contra a Visanet, entretanto, os valores abaixo foram suportados por notas fiscais falsas, conforme Laudo de Exame Contábil do Instituto Nacional de Criminalística do Departamento de Polícia Federal.
Contratos firmados entre a DNA e o Banco do Brasil foram usados como garantia para dois empréstimos junto ao Banco Rural. Contudo o Banco do Brasil disse não ter conhecimento dessas garantias.
O relatório da CPI revelou que passou a haver no Banco do Brasil uma concentração da prestação de serviços na DNA depois de 2002, o que coincidiu com o início do Governo Lula. A DNA, uma das empresas de Marcos Valério, apresentou um crescimento em 2003 e 2004 de 28% e 82%, respectivamente, sobre o faturamento de 2002.
Página externa
- Relatório Parcial de Prestação de Contas em 21/12/2005. CPMI dos Correios (formato PowerPoint).
Fontes
- Esquema do valerioduto usou R$ 2,6 bilhões a partir de 1997 — Jornal do Senado (Brasil), 22 de dezembro de 2005
- Para Serraglio, dados obtidos por CPI reforçam a tese do mensalão — Jornal do Senado (Brasil), 22 de dezembro de 2005
- Serraglio afirma que dinheiro público abasteceu esquema — Jornal do Senado (Brasil), 22 de dezembro de 2005
- Empresas privadas também atuaram como financiadoras — Jornal do Senado (Brasil), 22 de dezembro de 2005
- Investigação confirma distribuição de valores via Rural, BMG e corretoras — Jornal do Senado (Brasil), 22 de dezembro de 2005
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