13 de maio de 2021

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Jornal da USP

Nascido em Tambaú, no interior de São Paulo, em 1936, ele foi gago na infância. Curado e mentorado por um padre milagreiro, anos depois tornou-se um dos maiores jornalistas de economia do País, conhecido por sua forma própria de traduzir a linguagem complexa da área para o público leigo. Essa é parte da história retratada na biografia Joelmir Beting – O Jornalista de Economia Mais Influente da História do Brasil. De autoria de Edvaldo Pereira Lima, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e especialista em jornalismo literário, o livro foi lançado no início deste mês pela Beting Books.

Lima descreve Joelmir como uma “figura majestosa” na história da imprensa brasileira. “Mais do que um jornalista de economia, no meu entendimento ele era um grande pensador social”, afirma. Beting formou-se em Sociologia pela USP e tinha uma leitura sociológica da realidade, que levou para o jornalismo. “Com sua grande habilidade de linguagem, de transmitir os conceitos e informações da economia, ele conseguiu encontrar um estilo de tradução para um público geral, universal”, explica o professor.

A narrativa biográfica foi produzida a partir da maneira pessoal de Lima de contar histórias, amparada na tradição do jornalismo literário. Ele afirma que houve um “mergulho” na vida e na obra do jornalista durante o processo de levantamento e apuração de dados. “A tarefa de pesquisa foi muito prazerosa porque eu estava atrás de compreender como isso aconteceu, como foi possível, como Joelmir chegou a esse padrão de trabalho”, diz.

Trata-se de uma biografia autorizada que nasceu a convite da família, mais especificamente de Gianfranco Beting, primogênito de Joelmir, que atuou como produtor da obra. “Ele queria um escritor independente, alguém de quem já conhecia o trabalho, e me deu total autonomia editorial e narrativa para trabalhar”, diz Lima.

A trajetória de Joelmir Beting

Para o professor, a faceta pública de Joelmir Beting é de ter sido um grande pioneiro, que trouxe contribuições para o jornalismo brasileiro em vários aspectos. Ele aponta que Beting foi o primeiro âncora da televisão brasileira, e isso é algo que poucas pessoas sabem. Além disso, ressalta seu papel como um inovador do jornalismo de economia no País. “Foi um profissional que soube unir duas qualidades muito importantes para um comunicador de não ficção: aliar a precisão e a solidez da informação a uma capacidade de expressão com a linguagem que era extremamente cativante e envolvente, que permitia ao receptor uma possibilidade de absorção prazerosa da comunicação”, afirma Lima.

Lima comenta que Beting também foi pioneiro no que diz respeito à atuação do jornalista em diferentes mídias, o que é mais comum no jornalismo contemporâneo. “Ele trabalhou em rádio, televisão, escreveu para jornal impresso e matérias especiais com maior profundidade para revistas, foi um dos grandes palestrantes do Brasil, e numa fase mais avançada da carreira também entrou para o universo digital, em que produzia para um site que criou.”

Beting veio de uma família muito simples do interior. A gagueira na infância deixou marcas significativas na sua trajetória pessoal, segundo Lima. Nessa fase, Joelmir conviveu com o padre Donizetti, que o curou da gagueira. “O Padre Donizetti era considerado um grande padre milagreiro, com repercussão nacional intensa na década de 1950, quando Tambaú se tornou um destino de milhares de pessoas que iam em busca dele.”

Lima conta que o padre sentiu algum potencial extraordinário em Joelmir e assumiu uma espécie de tutoria informal do garoto. “Durante seu crescimento, recebeu aulas espontâneas de todos os aspectos de leitura social da realidade, a partir do que o padre compreendia. Quando surgiu a primeira emissora de rádio em Tambaú, foi ele quem teve a intuição de encaminhar Joelmir para fazer um teste e trabalhar na emissora, onde se deu muito bem.” Já mais velho, Beting foi encaminhado pelo padre a São Paulo, que recomendava que o jovem fizesse uma graduação em sociologia e seguisse a carreira de jornalista.

Esse aspecto chamou a atenção de Lima ao mergulhar na pesquisa. “A junção entre uma leitura intelectual da realidade e uma vivência espiritual, ao modo que funcionou para Joelmir, trouxe também à sua personalidade um aspecto muito interessante e bonito: ele se tornou uma pessoa de muitos princípios e valores. É raro encontrar quem consiga passar por ambientes de trabalho altamente competitivos sem gerar nenhuma mancha quanto aos seus princípios básicos”, analisa o professor.

Beting iniciou a carreira jornalística como repórter esportivo, em 1957. Passou por veículos como Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, participou de programas das rádios Jovem Pan, Bandeirantes e CBN e, na televisão, passou pela TV Gazeta e pelas redes Record, Globo e Bandeirantes — na qual permaneceu por mais tempo ao longo de sua trajetória, de 1974 a 1985 e, depois, de 2003 até sua morte, em 2012.

Biografia-perfil e jornalismo literário

Para contar a história de Beting, Lima partiu de sua experiência no jornalismo literário, com uso de recursos próprios dessa forma de storytelling. O trabalho de levantamento passou por três caminhos, sendo o primeiro uma pesquisa documental básica. Nessa etapa, a família de Beting disponibilizou todo o seu arquivo pessoal e permitiu livre acesso a seu estúdio de trabalho, no qual Lima passou vários dias.

O segundo procedimento foi uma série de entrevistas com familiares, amigos e pessoas que conviveram com Joelmir Beting profissionalmente — inclusive personalidades conhecidas pelo público, como o jornalista Ricardo Boechat, que morreu em decorrência de um acidente de helicóptero em 2019. Por último, a apuração contou com uma técnica do jornalismo literário chamada observação participante. “Há uma variante dela que chamo de observação camuflada de ambientes. Como esse livro tem vários subtemas associados ao tema central, um dos aspectos ao qual dei bastante atenção foi mostrar um pouco do mundo do jornalismo”, explica Lima. Para transmitir isso ao leitor, ele passou um tempo significativo nos bastidores do telejornal em que Beting trabalhou, na Rede Bandeirantes.

            “No jornalismo literário temos o propósito não só de passar uma informação, mas tentamos trazer ao receptor uma ressignificação, a contextualização de uma história, para se entender de maneira mais integral e sistêmica tudo que está relacionado a um determinado tema”, relata Lima. A partir disso, é também função desse tipo de jornalismo oferecer ao leitor a possibilidade de vivenciar simbolicamente o mundo apresentado, acrescenta. 

Lima ressalta ainda o uso do jornalismo literário avançado — explorado por ele em suas aulas e pesquisas na USP —, que está relacionado a uma forma de percepção de mundo a partir de novos paradigmas e modelos propostos pela ciência. Exemplo disso é a ressignificação de determinadas situações feita pelo professor com a utilização do método do “sonho lúcido” — aquele em que a pessoa está consciente do sonho e pode até conduzi-lo —, desenvolvido pela Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. “Durante o levantamento para o livro, tive dois sonhos com o Joelmir.”

Joelmir Beting – O Jornalista de Economia Mais Influente da História do Brasil é o quinto livro em que Edvaldo Pereira Lima une biografia e perfil, gêneros do jornalismo literário. Uma biografia tem como compromisso contar a vida inteira de uma pessoa, em um espectro de tempo amplo. Nela, procura-se “contextualizar e mostrar a interação daquela vida com todo o momento histórico, a situação social, civilizatória e cultural em que viveu”. Já o perfil está normalmente voltado a um momento presente do protagonista, em que se busca uma compreensão até ao nível psicológico do indivíduo, para entender suas motivações internas, nas palavras do professor.

          Para Edvaldo Lima, “só se compreende uma vida humana quando se capta, no mundo subjetivo, os símbolos que a ressignificam”. Ao juntar os dois gêneros – a biografia e o perfil –, o professor quis trazer um entendimento da história interna de Joelmir, suas motivações e questões pessoais que se refletiam em seu mundo externo e objetivo.

Segundo Lima, todo trabalho de não ficção de qualidade desempenha função similar a um grande romance de ficção, no que diz respeito à função de trazer conhecimento e informação, mas também de levar o leitor a uma reflexão maior, talvez sobre sua própria vida. “Todo bom romance, além de estar contando uma história específica, remete aos grandes temas universais que atravessam os tempos e a cultura.”

Para estimular tal percepção, Lima empregou a técnica das digressões, mas de maneira diferente em relação aos seus trabalhos anteriores. O professor explica que, no livro, a reflexão remete a um diálogo imaginário explícito com o leitor, para colocá-lo dentro das situações ligadas à trajetória de Joelmir, tanto como profissional quanto como pessoa. “O retrato na biografia é uma busca de entendimento de Joelmir como um ser humano pleno. As duas vidas estão integradas. Na busca de entendimento mais pleno do indivíduo, não dá para separar uma coisa da outra”, finaliza o professor.

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