Polícia Federal deflagra Operação Abusou e prende fotógrafo que agenciava modelos por divulgação de conteúdo sexual na internet

Balneário Camboriú, Santa Catarina • 1 de maio de 2022

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O Departamento da Polícia Federal (DPF) deflagrou na manhã da última quinta-feira (dia 28) a Operação Abusou e prendeu na cidade de Balneário Camboriú (no litoral do Estado de Santa Catarina) um fotógrafo responsável por gerenciar uma agência de modelos que produzia fotos de crianças e adolescentes para depois disponibilizar e comercializar para sites internacionais. Inicialmente, seu nome não foi divulgado, mas os policiais foram no endereço onde mora o fotógrafo, o que fez com que seu nome fosse divulgado.

De acordo com o Departamento da Polícia Federal, também conhecido apenas como Polícia Federal (PF), os mandados de busca e apreensão da Operação Abusou foram expedidos pela Justiça Federal de SC (JFSC) em Itajaí (também em Santa Catarina). Foram cumpridos em três capitais Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ) e em São Paulo (SP), incluindo uma cidade no interior Santana do Parnaíba (SP), que acordo com a PF, além do fotógrafo preso, há mandato de prisão contra dez pessoas que foram indiciadas.

De acordo com as investigações da PF, o grupo liderado pelo fotógrafo atuava no ramo de agência de modelos desde 2001 convencia as garotas menores de idade a serem fotografadas e filmadas, nas quais elas apareciam em fotos e vídeos vestidas normalmente, mas também eram convencidas a fazerem poses sensuais e eróticas com peças de banho ou biquíni que tem como cenário a cidade de Balneário Camboriú e nos estúdios, com pretexto avançar a carreira de modelo e também aparecerem em emissoras de TVs brasileiras, dando a aparência de legalidade.

No entanto, sem conhecimento dos pais, responsáveis e as menores, as fotos e vídeos eram divulgados na internet com nomes de modelos diferentes em três sites em língua inglesa, a The People Image (thepeopleimage.com), a We Are Little Stars (wearelittlestars.com) e a INCBASH (incbash.net), que tinham os acessos bloqueados aos usuários no Brasil, pois tinham como o foco ao exterior para serem comercializados. Os sites mencionados nem eram detectados por uma simples menção em motor de busca (como o buscador Google) e que os links só eram acessados no Brasil usando proxy ou Tor para mudar IP e acessarem os sites chamados de deepweb, como é chamada a camada da internet em que o rastreio e a exposição dos dados são restritos, o que favorece atividades ilícitas.

De acordo com a PF, os sites eram controlados pelo grupo em países como a República Tcheca, Estados Unidos e a Rússia que tinham compradores que expressavam interesse em abuso infantil em seus comentários na deepweb. A polícia identificou mais de 120 crianças e adolescentes brasileiras, com idades entre 4 e 17 anos, que foram vítimas do grupo liderado pelo fotógrafo por importunação sexual, assédio, abuso sexual, estupro e venda de conteúdo sem conhecimento de suas modelos. O relato mais antigo é de 1993, quando a vítima relatou abuso sexual, na época era uma criança, mas denunciou o caso já adulta. A maioria das vítimas são em Santa Catarina, mas também há casos em outros estados, como São Paulo.

Devido à abrangência internacional dos crimes, a investigação teve apoio da Polícia Internacional (INTERPOL), localizado na cidade de Lyon (França) e da Homeland Security Investigations (HSI, "Investigações de Segurança Interna" em tradução livre) da Embaixada dos Estados Unidos em Brasília. Cerca de Duzentos mil arquivos agora estão sob análise do Serviço de Repressão a Crimes de Ódio e Pornografia Infantil (SERCOPI) do DPF (sediado em Brasília).

Os indiciados pela Operação Abusou devem responder, na medida de suas participações no esquema, pelos crimes de organização criminosa, violação sexual mediante fraude, importunação sexual, assédio sexual, registro não autorizado da intimidade sexual, disponibilização de material pornográfico e estupro de vulnerável.

Antecedentes

Inicialmente, quando foi realizada a operação, não foi divulgado o nome do homem que foi preso em Balneário Camboriú. Com passar das horas foi divulgado que o detido é o fotógrafo Jorge Moura, dono de agência de modelo Jorge Moura Fotografias e Agencia de Modelos na cidade. Também foi presa a esposa do fotógrafo. Nas redes sociais (Twitter, Facebook e Instagram), se apresentava além de fotógrafo, uma agenciador de modelo, coordenador, jurado de concurso de beleza, além de ser conhecido na cidade em diversos eventos. Horas depois de ser preso e seu nome divulgado, todas suas redes foram desativadas.

Antes da operação, ele foi alvo de denúncias das vítimas um mês antes. No dia 25 de março (sexta-feira) uma das modelos agenciadas pelo fotógrafo Jorge Moura e a mãe dela procuraram o site Click Camboriú para denunciá-lo. A mãe da modelo registrou anteriormente o Boletim de Ocorrência contra o fotógrafo por venda sem consentimento das fotos ao site que não podia ser acessado no Brasil, que era The People Image.

No Boletim de Ocorrência, na qual o site teve o acesso, a mãe do modelo relata que após sua filha ser recrutada, ele informou que as fotos iriam para um banco de imagens e que ele fez ela assinar um documento que o autorizava a divulgar a imagem de sua filha (mas que não lhe forneceu uma cópia da assinatura). Ao questionar sobre o destino das fotos da adolescente, o agenciador alegou que seriam usadas somente para a divulgação de marcas de vestuário.

No entanto, a mãe e filha adolescente encontraram suas fotos na internet e reconheceram várias meninas fotografadas pelo mesmo fotógrafo divulgadas no site The People Image e que estavam sendo vendidas no mesmo site em língua inglesa. Perceberam que o site The People Image está hospedado fora do Brasil, é intencionalmente bloqueado no país para não ser encontrado pelas modelos, tem cara de site estrangeiro.

De acordo com Click Camboriú, o domínio "thepeopleimage.com" já esteve registrado com endereço em nome de Rui Wippel, que tem registro de outros dois domínios “wearelittlestars.com” e “incbash.net”, expondo crianças pela internet. Wippel também é fotógrafo em Balneário Camboriú e aparece em processo alguns anos atrás por venda de pornografia infantil na internet, mas recorreu e conseguiu se livrar da condenação por falta de materialidade. A defesa dele alegou na época que as meninas estavam de roupa em todas as fotos e isso não seria caracterizado de crime de pedofilia.

Em 29 de março, quatro dias depois da mãe e sua filha ter procurado o Click Camboriú, o site publicou a primeira denúncia contra o fotógrafo feito por elas, além de reunir 20 relatos. O site denunciou o esquema industrial “No Nude”, uma modalidade da "pedofilia legalizada" com crianças e adolescente fazendo poses sensuais mas com roupa que tem tradução literal para "sem nudismo".

Nessa reportagem, o site deu espaço o depoimento de uma jovem (hoje com 28 anos de idade) com iniciais J.N. para proteger sua identidade, na qual foi fotografada há 15 anos atrás pelo Jorge Moura e os três estrangeiros: dos Estados Unidos (vindo do estado da Califórnia), da Guatemala e do México. Na época, ela era uma adolescente com 13 anos de idade em 2007 e sem seu conhecimento, suas fotos foram divulgadas em site de internet com outro nome de T.M. e se tornou famosa fora do país, onde era possível obter uma assinatura por US$ 21.95 por mês para ter acesso às suas fotos sensuais. Esse esquema relatado por ela foi replicado para outras dezenas ou centenas de meninas fotografadas por Jorge Moura.

Em 6 de abril, o site O Município revelou que as polícias Federal e Civil estavam investigando e averiguando denúncias contra o fotógrafo Jorge Moura, morador de Balneário Camboriú. Há mais de 20 anos, agencia modelos e coordena misses e misteres na região, onde já atuou como colunista em jornais, assim como assessor de imprensa.

As vítimas relatam assédio, importunação sexual e até estupro envolvendo crianças e adolescentes desde que o caso ter estourou no litoral catarinense no dia 25 de março e desde então mais meninas e mulheres estão relatando terem sido vítimas do fotógrafo. As vítimas tinham entre 4 e 27 anos na época dos crimes e as denúncias chegam a ter quase três décadas.

A mais antiga vítima é de 1993, uma garota de 12 anos que tinha um sonho de virar modelo e sua família mudou do interior do Paraná no início do ano. O sonho surgiu após receber panfleto na escola e ela logo procurou um trabalho para pagar o curso e foi procurar o fotógrafo Jorge Moura, umas das primeiras clientes dele.

Na sessão de fotos, ela foi abusada sexualmente pelo fotógrafo, tentou beijar na boca que só parou após ela começar chorar e a manipular ela sobre sua família, não teve outra reação a não ser fugir e nunca mais entrar em contato com ele. Após o trauma e o abuso, a única foto que ela ainda tinha por muitos foi jogada fora, desenvolveu depressão, passou a se automutilar e considerar cometer suicídio, mas nunca contou o abuso a sua família, situação piorou após perdeu o pai para o álcool aos 15 anos em 1996. Foi apenas aos 30 anos em 2011, após buscar apoio na religião, que ela teve coragem de contar para a mãe o que passou. No entanto, só denunciou o fotógrafo no fim de março, já com 41 anos de idade, após ver pela internet os relatos de outras vítimas nas redes sociais e nos sites.

Fontes