29 de julho de 2020

Email Facebook Twitter WhatsApp Telegram

 

O nome Black Lives Matter agora é entendido sem tradução: após a morte de George Floyd, quando foi detido pela polícia de Minneapolis em 25 de maio, a onda de manifestações contra a violência policial não apenas ocorreu nas cidades dos EUA, mas em muitos países.

Os protestos ocorreram do Reino Unido ao Japão, e era razoável esperar que a atenção ao que estava acontecendo nos Estados Unidos também fosse mostrada na Rússia. Os jornalistas reunidos em 28 de julho pela Universidade de Georgetown, em Washington, falaram sobre a reação russa ao movimento BLM de dois pontos de vista: um é característico da sociedade e o outro é propaganda russa.

Segundo Mikhail Fishman, apresentador da TV Dozhd e ex-editor da edição russa da Newsweek, o que a televisão russa controlada pelo Estado diz sobre os protestos nos EUA não é um reflexo da opinião pública: “Não devemos confundir o que é mostrado na televisão russa, com o que os russos realmente pensam sobre isso. Os canais de TV estão engajados em propaganda e seu objetivo é substituir a realidade na qual os russos vivem por algo inventado”.

Na abordagem oficial de Moscou ao movimento pelos direitos dos negros, Mikhail Fishman acredita, existem dois fatores conflitantes: “A atual liderança russa é inerentemente de extrema-direita e anti-liberal mas, por outro lado, a Rússia está se posicionando como herdeira da URSS — um Estado socialista e que expressava total apoio à luta dos afro-americanos por seus direitos”.

“As declarações de Vladimir Putin são de apoio ao movimento Black Lives Matter, mas seu apoio termina onde começa o saque de lojas e motins. É assim que, com muita facilidade, Putin resolve o problema das contradições em sua abordagem aos protestos americanos”, observa o jornalista russo.

Ao mesmo tempo, de acordo com Mikhail Fishman, muitos movimentos sociais que estão surgindo no Ocidente estão se enraizando na sociedade russa:

“Vimos isso no exemplo do movimento #Metoo, que começou nos EUA e na Europa: agora na Rússia existem vários escândalos bastante conhecidos que se desenvolveram nas redes sociais e no que se refere ao comportamento predatório dos homens em relação às mulheres. No entanto, parece diferente do movimento BLM, porque o assunto e as razões são muito distantes para a Rússia”.

Steven Rosenberg, correspondente da British Broadcasting Corporation (BBC) em Moscou, acredita que “todos os valores do BLM — as ideias de igualdade, justiça, a mensagem contra o establishment, contra a polícia e as mudanças — para Putin são um anátema absoluto; A própria possibilidade das pessoas saírem às ruas, derrubar estátuas e exigir mudanças enche a administração de horror”.

“Ao mesmo tempo, o Kremlin está usando o movimento Black Lives Matter a seu favor, o que pode ser deduzido com a cobertura de todos esses eventos na televisão. Há dois pensamentos importantes sendo mantidos lá. O primeiro é "protestar é ruim, não tente repeti-lo, olhe o caos e a anarquia". O segundo é "olhe para os Estados Unidos, que estão literalmente desmoronando diante de nossos olhos, e compare com a Rússia, que, comparada à América, é apenas uma ilha de estabilidade", observa Steven Rosenberg.

De acordo com o correspondente da BBC na Rússia, a disseminação de tais sinais é especialmente importante para o Kremlin agora, já que a economia na Rússia está estagnada, a pandemia de coronavírus está se transformando em uma recessão, a renda real dos russos continua a cair e os sentimentos de protesto fervem em várias cidades russas — especialmente em Khabarovsk, onde a região protesta contra a remoção e prisão do governador popular.

“Ao contrário dos protestos em Portland, a televisão estatal russa praticamente não mostra manifestações em Khabarovsk, apesar que dezenas de milhares de pessoas vão para as ruas. Os canais de TV tentam o tempo todo apresentar os comícios em Khabarovsk como algo insignificante, enquanto a cobertura das ações nos Estados Unidos é bastante significativa”, observa Steven Rosenberg.

Ao mesmo tempo, na própria sociedade russa, a ascensão e queda de sentimentos racistas se substituíram, afirmou Ann Simmons, correspondente do Wall Street Journal na Rússia.

A própria jornalista, uma negra britânica, disse que não havia encontrado manifestações racistas contra ela, mas várias vezes testemunhou que na Rússia o racismo se manifesta contra pessoas do Cáucaso e da Ásia Central.

A jornalista britânica lembra que muitos de seus amigos negros que viveram e estudaram em Moscou nas décadas de 1990 e 2000 enfrentaram ataques racistas de residentes locais que exigiram que não se encontrassem com mulheres russas. “Talvez eu não tenha encontrado essas manifestações pessoalmente, porque eu era do sexo oposto”, sugere ela.

Sobre os fatos relacionados aos protestos nos Estados Unidos, continua Anne Simmons, os russos claramente querem saber mais: “Fui perguntado muitas vezes recentemente por meus conhecidos russos se essa desigualdade realmente existe, se a população negra é realmente tratada dessa maneira. E sim, muitos deles estavam preocupados com as filmagens de assaltos e incêndios criminosos, eles disseram: 'Por que as pessoas atearam fogo nos lugares onde moram?'”.

De acordo com um correspondente do Wall Street Journal na Rússia, as pessoas em Moscou estão claramente insuficientemente conscientes do contexto histórico dos protestos nos EUA. Os russos também costumam culpar as próprias vítimas do racismo: “Muitos na Rússia escrevem nas redes sociais que George Floyd estava em desacordo com a lei, que ele quase merecia o que lhe aconteceu”.

Fontes