Brasil • 2 de janeiro de 2006
Neste último domingo (1) o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu uma entrevista para o Programa Fantástico da Rede Globo de televisão.
O entrevistador, Pedro Bial, fez perguntas a Lula sobre a crise política e os escândalos de corrupção que abalam o Governo.
A entrevista
A seguir alguns trechos dos principais momentos da entrevista.
Erros
Pedro Bial - Presidente antes da sua eleição, depois da sua eleição, o senhor repetiu várias vezes, com pertinência, de que muitos poderiam errar no seu lugar, mas que o senhor, com a sua biografia, com os preconceitos que o senhor enfrentava o senhor não poderia errar. Agora, diante de tantos escândalos que o seu governo vem enfrentando, o senhor poderia me responder onde o senhor errou?
Lula - Primeiro Pedro, eu queria aproveitar esse programa de primeiro de ano e cumprimentar o povo brasileiro, desejando a ele um 2006 melhor do que ele já imaginava ter. (...) É muito difícil você dizer aonde você errou. Você pode ter errado muitas vezes e pode ter acertado outras vezes. O dado concreto é que nós temos consciência que governar um país do tamanho do Brasil com a máquina poderosa que tem, você pode cometer um ou outro erro e na medida que você detecta esse erro você tem que tomar as providências para apurar e punir aqueles que puder, aqueles que cometeram esse erro.
Interferência do Governo
Pedro Bial- O senhor está se referindo às CPIs para apurar? O Governo resistiu muito. Ele procurou impedir a implantação das CPIs num primeiro momento. E mesmo agora há pouco ele tentou evitar a prorrogação de seu trabalho.
Lula - Primeiro, a CPI, ela é uma conquista da democracia brasileira. E o PT durante muito tempo se utilizou da CPI para fazer política. Segundo, é normal que quem está na oposição queira mais uma CPI do que quem está na situação; isso também é histórico no Brasil. E a terceira coisa é que a CPI está funcionando na sua plenitude, sem que houvesse em qualquer momento, qualquer interferência do Governo para criar qualquer obstáculo para a CPI. Tudo o que desejo na vida é que a CPI apure corretamente o que tem que apurar, faça todas as acareações que tiver que fazer, apresente o seu relatório final. O Ministério Público a partir daí vai fazer as suas investigações. E aquilo que for para o Poder Judiciário será julgado, aquilo que a Polícia Federal precisar investigar, será investigado. Porque eu acredito piamente que o Brasil vai ao longo dos próximos 10, 20 ou 30 anos -se nós quisermos transformar na grande nação que eu sonho transformar o Brasil- nós teremos que fazer do combate à corrupção quase que uma profissão de fé, sem trégua, para que a gente possa definitivamente sonhar com o Brasil com menos corrupção, ou sem corrupção.
Erros (2)
Pedro Bial - O senhor me permite eu enumerar alguns dados que escandalizaram o país? O PT era tido como um partido que quase que monopolizava a ética na política brasileira e isto em 2005 foi por terra. Por quê? O deputado José Genoíno, presidente do partido, disse que não tomou empréstimo, tomou e caiu; Sílvio Pereira, secretário-geral, caiu; o ex-Ministro da Casa Civil José Dirceu foi cassado. Isso não são erros?
Lula - São erros, e tanto é que foram punidos. O Genoíno saiu da presidência do PT, o Silvinho não está mais no PT e o Zé Dirceu perdeu o mandato. O Delúbio saiu do PT. Porque prá mim a apuração ela tem que ser feita dentro do meu partido, nos outros partidos, dentro da sociedade naqueles que são amigos do Presidente e naqueles que são adversários do Presidente. Afinal de contas a investigação séria, o combate à corrupção, o combate aos erros administrativos que alguém possa ter cometido não podem ter cor partidária, não podem ter coloração ideológica. O que precisa é que prevaleça a ética. E o PT é um partido muito grande, muito grande. O PT é um partido de quase um milhão de filiados. Se três, quatro, meia dúzia, 10, 15 ou 20 pessoas de uma organização política cometem erros não significa que o partido todo está cometendo o mesmo erro.
Existência do mensalão
Pedro Bial - O senhor já afirmou que essa história do mensalão parece folclore do Congresso. Aí temos o relatório do deputado Ibrahimn Abi-Ackel que diz: "houve recebimento de vantagens financeiras indevidas por parlamentares e dirigentes partidários com periodicidade variável porém constante de 2003 a 2004"... O senhor ainda acredita que tudo não passa de folclore?
Lula - Primeiro nós temos que esperar o relatório final das CPIs. O seja, nós temos que esperar o conjunto da obra que está sendo feito pelas CPIs, para que você possa partir de uma complementação de investigação da Polícia Federal -que aliás já investigou muito- e de uma complementação de atuação do Ministério Público você ter o veredito final... Nós já tivemos outras dezenas de CPIs em que os relatórios diziam coisas e que depois na hora da apuração, cientificamente feita pela Polícia Federal ou pelo Ministério Público, e no julgamento pelo Poder Judiciário, as coisas não foram como estavam no relatório. Eu não posso fazer julgamento de relatório de CPI. Não posso.
Relatórios das CPIs
Pedro Bial - O senhor não leu os relatórios parciais das CPIs?
Lula - Nem poderia ler, nem poderia ler. O Presidente da República tem informações dos relatórios pelos meus assessores, mas eu estou esperando o relatório conclusivo da CPI.
Provas
Pedro Bial - Acho que posso apresentar algumas provas conclusivas para o senhor fazer um julgamento de valor. Como por exemplo a auditoria feita pelo próprio Banco do Brasil sobre a questão do Visanet, em que dados conclusivos dessa auditoria comprovaram o desvio de 20 milhões de reais. Além disso, o uso de 80 mil -80 mil Presidente!- notas falsas no valerioduto foi comprovado pela Polícia Federal. Isso são provas.
Lula - Se a Polícia Federal está comprovando é porque o Governo mais do que ninguém está investigando. Porque o maior interessado em investigar é o próprio Governo. Segundo, eu tenho informações também do próprio Banco do Brasil de que o pagamento adiantado era uma norma que vinha acontecendo no Brasil há algum tempo.
Entrevista de Paris
Pedro Bial - Quando o senhor fala de normas que já vinham anteriormente sendo executadas me lembra aquela frase da entrevista de Paris de que o caixa dois do PT era apenas uma prática sistemática da política brasileira que o PT também fazia, o que surpreendeu muito o eleitor do PT que acreditava que o PT tinha vindo para acabar com esse tipo de prática.
Lula - Primeiro, o PT cometeu um erro que é de uma gravidade incomensurável. Todo mundo sabe, e sabe o PT hoje, e sabe quem cometeu os erros, que o PT cometeu um erro que será de difícil reparação pelo próprio PT. O PT vai sangrar muito prá poder se colocar diante da sociedade outra vez com a credibilidade que ele conquistou ao longo de 20 anos.
Credibilidade
Pedro Bial - O senhor acredita que o PT vai recuperar essa credibilidade?
Lula - Vai, vai recuperar. Eu acho que tem salvação porque o PT é um partido muito grande. E quando um erro qualquer você não pude a família inteira, você pune quem cometeu o erro. Se você for na Justiça Eleitoral vai ver a quantidade de milhares de denúncias de corrupção que existem nesse país...Mas eu estou convencido, que em nenhum momento da história do Brasil, teve um Governo que colocasse o aparato do Estado brasileiro prá fazer investigação como nós temos colocado. A Polícia Federal tem trabalhado nesses 36 meses o que ela não trabalhou em 20 anos.
Provas (2)
Pedro Bial - Mas até agora o senhor vinha insistindo na tese de que não havia provas. Eu entendi bem e hoje o senhor já está reconhecendo que já há provas conclusivas do mensalão ou de condutas irregulares, de corrupção conduzidas pelo PT?
Lula - Veja, eu disse textualmente é que o Zé Dirceu foi cassado e que não teve prova no processo de cassação do Zé Dirceu.
Pedro Bial - No episódio da compra do apartamento, do empréstimo, para a mulher do Zé Dirceu houve claros indícios de tráfico de influência.
Lula - Se há indícios, tem que ter uma investigação séria. E eu quero que ela seja feita para o Zé Dirceu como ela seja prá mim, como eu quero que ela seja feita prá você. A investigação tem que ser feita com a maior seriedade. E na hora em que a gente tiver a investigação feita corretamente, o veredito, aí você fala: "bom esse cidadão cometeu uma heresia por isso esse cidadão tem que ser punido". E isso vale prá todos nós.
Tese dos empréstimos
Pedro Bial - Mas o senhor concorda que um Governo, assim como as mulheres dos césares, ele tem que ser honesto e parecer honesto. E o senhor há de convir que as aparências não estão ajudando. Vamos pegar por exemplo o caso da justificativa oficial do PT para os empréstimos. Se um empresário de uma empresa muito próspera, com muitos funcionários, com lucro. Se esse empresário for a um banco pedir um empréstimo sem apresentar garantias, ele sai sem um tostão. Como é que o PT, que não tem renda, que é um partido, conseguiu esse dinheirão todo só com assinatura de um simples tesoureiro?
Lula - Eu não sei como conseguiu. O dado concreto é que nós vamos descobrir como conseguiu. Ou a Polícia Federal vai descobrir, ou o Ministério Público vai descobrir, ou a CPI já descobriu uma parte, ou no processo que vai ter no Judiciário vai descobrir.
Pedro Bial - Mas não é uma dedução lógica que são empréstimos de fachada?
Lula - Veja, eu não posso fazer dedução. Qualquer cidadão comum pode fazer, eu não posso fazer. Eu baseio minha vida em achar que todo mundo é inocente até que se prove o contrário. Ao Presidente da República não cabe fazer pré-julgamento. (...) Com relação a minha pessoa, a única coisa que peço a Deus, é que aqueles que me acusaram, que venham me pedir desculpas.
O Presidente sabia?
Pedro Bial - A sensação não é de acusação ao senhor, mas é de estar muito intrigado. Como o Presidente não sabia?
Lula -(...) O que é importante não é se você sabia ou não...Se eu tivesse condições de saber, não teria acontecido. Este é o dado concreto. No momento em que eu soube, naquilo que é de competência do Presidência da República, as providências foram tomadas.
Facada nas costas
Pedro Bial - O senhor já se disse traído e depois se solidarizou com aqueles que foram acusados de corrupção. O senhor foi traído, ou é solidário? Por exemplo, o José Dirceu o traiu?
Lula - Veja, eu me considero traído por duas coisas. Porque eu dediquei parte de minha vida para construir esse partido. Eu, com minha mulher, com as crianças. As crianças dormiam na calçada para ajudar a construir esse partido, e não era uma vez, eram muitas vezes. Dormiam na calçada, vendendo camiseta, fazendo filiação. Eu me sinto traído porque alguns companheiros meus fizeram práticas que não condiziam com aquilo que era a história do PT. No caso do Dirceu, diferentemente do Delúbio que assumiu a responsabilidade, o Zé Dirceu ainda não definiu o seu processo, ele foi cassado, vai ter o relatório da CPI, vamos aguardar o que vai acontecer. Mas eu não quero nem julgar se fui traído por A ou por B. É que eu acho é que o conjunto dos acontecimentos, prá mim, soou como se fosse uma facada nas costas de alguém que junto com outros milhões de brasileiros dedicou parte da sua vida prá construir um instrumento político que pudesse ser diferente de tudo que tava aí.
Dirceu no palanque
Pedro Bial - Porém antes mesmo de essas investigações serem concluídas o senhor afirmou que levaria José Dirceu ao seu palanque.
Lula - Veja, porque eu fui perguntado se levaria José Dirceu ao palanque. Veja, as pessoas todas, enquanto não forem julgadas, as pessoas todas são inocentes. Vamos aguardar o processo. O Presidente da República tem que sempre ter a postura de alguém que não faz julgamento precipitado. Eu só lamento profundamente que toda essa crise impediu que todas as coisas boas que o governo fez não apareceu com destaque na imprensa.
Fontes
Programa Fantástico, Rede Globo, 1 de janeiro de 2005.
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