Guiné-Bissau • 23 de agosto de 2009
A Voz da América entrevistou Fafali Kowdawo, para analizar as eleições presidenciais no país.
Fafali Kowdawo: Não! Se foi determinante na primeira volta, ao ponto de permitir a passagem de Kumba Yala à segunda volta, já na segunda volta foi menos importante. Se na primeira volta Kumba Yala, candidato do Partido da Renovação Social, PRS, conseguiu capitalizar a seu favor, o eleitorado da sua base étnica e política, do sul do país, e de uma franja do norte, especificamente da região de Oio, já na segunda volta, o voto de base étnica revelou-se pouco eficiente, pelo menos para aquele candidato. Isso significa que a adesão dos eleitores à mensagem da etnicidade do candidato, fracassou, diria mais, foi limitado. E neste particular, a capacidade de granjear a simpatia, a aliança dos demais grupos étnicos da candidatura de Kumba Yala acabou por falhar. Teve na primeira volta os votos que teve, particularmente da sua base étnica e política. Na segunda ronda eleitoral não foi capaz de tirar proveito das potenciais alianças. E nestas eleições os eleitores contornaram os limites a simples adesão cega a etnicidade de um dado candidato.
VOA - Visto desse prisma, o mesmo seria dizer que independentemente da motivação religiosa, por detrás da conversão de Kumba Yala, ao Islão, os dividendos políticos que Mohamed Kumba Yala pretendia assacar, dessa opção religiosa, acabaram por ficar aquém do desejado ?
Fafali Kowdawo: Esse foi um outro aspecto que ficou igualmente bem claro e definido nestas eleições. A conversão de Kumba Yala, independentemente das razões pessoais que o levaram a mudar de credo religioso acabou de facto por não surtir os efeitos desejados. Se Mohamed Kumba Yala, pretendia com essa sua conversão religiosa, não só assegurar a sua base étnica e política de apoio, mas também um piscar do olho a uma franja islâmica da população, esta segunda volta provou que o estratagema falhou. Aliás, bem visto já tinha fracassado nas eleições legislativas de 2008, ganhas por maioria absoluta pelo PAIGC.
VOA - Portanto, Kumba Yala acabou sim por sair prejudicado nestas eleições, pela experiência de má memória, que os guineenses ainda retêm da sua passagem pelo poder, como presidente do país?
Fafali Kowdawo: Isso ficou claro nestas eleições. A sua experiência entre 2000 a 2003, na presidência do país, serviu de charneira à postura de repulsa demonstrada por grande parte do eleitorado guineense, a sua candidatura. Aliás o PAIGC soube usar e avivar essa controversa imagem do candidato adversário, durante a campanha. Evocando por exemplo o período dos salários em atraso, das escolas encerradas, de alunos com passagens administrativas, decretadas pelo próprio presidente. Enfim, evocações que acabaram por desencorajar o voto no candidato adversário. Foi essa a estratégia do PAIGC, que acabou por surtir os efeitos desejados.
VOA - Avaliando aqui a performance política de Kumba Yala, diria duas estrondosas e consecutivas derrotas num curto período de tempo, isto num espaço de tempo de um pouco mais de um ano. Nas legislativas de 2008 e agora nas presidenciais. É pois chegado o momento da alternância na liderança do Partido da Renovação Social de Kumba Yala?
Fafali Kowdawo: Chegou de facto a hora do PRS se rejuvenescer. De Kumba Yala ceder espaço a uma nova geração de líderes. Diga-se um processo, admitamos de certa forma já em curso no interior daquele partido. Basta relembrar aqui que no período que antecedeu a apresentação das candidaturas, a figura de Kumba Yala foi alvo de acalorados debates no seio daquele partido, ao ponto da possibilidade do nome de uma outra figura avançar como candidato do partido, as presidenciais ter sido na altura, aventada.
VOA - Sucessão de se prever nada fácil já que muito mais que um simples líder e fundador do partido, no PRS, a imagem de Kumba Yala confunde-se com o partido.
Fafali Kowdawo: Exactamente! Neste particular qualquer processo de sucessão ou de renovação do PRS terá que se confrontar com esse facto. Como se desenvencilhar de um líder, que no fundo assume-se como dono do partido? Um líder de cujo capital político, o partido depende para a sua sobrevivência! Isto apesar da consensualidade a nível da opinião pública guineense, de que dificilmente Kumba Yala e o PRS conseguirão feitos eleitorais, se não conseguirem arrebanhar mais seguidores para além da actual base tradicional de apoio do partido. Hoje uma eleição não se ganha apenas com o eleitorado fiel, mas também com potenciais e mobilizáveis eleitores. E à medida que os anos passam, esse outrora capital simbólico de Kumba Yala, vai minguando.
VOA - Falemos de um outro candidato, que em certa medida e na primeira volta das eleições, acabou por se transformar na grande surpresa no processo eleitoral guineense, pela percentual em termos de votos conseguidos. Refiro-me a Henrique Rosa. O facto deste terceiro mais votado candidato na primeira volta não ter dado indicações de voto ao seu eleitorado, que influência essa suposta neutralidade acabou por ter no desfecho da segunda volta das presidenciais? Está-se aqui perante a emergência de uma terceira alternativa política na Guiné-Bissau?
Fafali Kowdawo: E preciso ver que o eleitorado de Henrique Rosa na primeira volta tinha duas grandes componentes: Diria uma, a de um PAIGC modernista que preferia uma outra figura política como candidato do PAIGC, que não Malam Bacai Sanha. E uma segunda componente independente, engrossada por eleitores decepcionados com as mais recentes e violentas experiências vividas no país. E confrontados com o cenário da segunda volta, a componente modernista, acabou por votar na prata da casa, em Malam Bacai Sanha. Já a franja independente, que apostou na tese da renovação do cenário político votou na abstenção. Dai obviamente no peso que a abstenção acabou por ter, tal qual na primeira, igualmente nesta segunda volta das eleições presidenciais. A abstenção esteve situada na ordem dos 39 por cento. Ao não dar a indicação de voto ao seu eleitorado, Henrique Rosa conseguiu assim preservar o seu capital, não decepcionando nem um nem outros…e estou aqui a referir-me as duas falanges de apoio.
VOA - O suficiente para que Henrique Rosa se afirme como a tal terceira via, a nova alternativa na cena política guineense?
Fafali Kowdawo: A Guiné-Bissau de há muito ou melhor continua ainda a tentar encontrar essa terceira via política. E que nas democracias, uma alternativa entre um campo e outro não basta a flexibilização pretendida, no jogo político. É neste contexto que uma terceira alternativa impõe-se como salutar à cena política guineense. E Henrique Rosa apareceu nestas eleições com o perfil dessa figura, pretendida na cena política guineense. Resta entretanto saber se a emergência dessa terceira via será duradoura ou simplesmente efémera? Naturalmente há um apelo para que Henrique Rosa se afirme como essa alternativa. Mas como deve calcular, não será uma opção, fácil. Qual seria porventura a estratégia a prevalecer a longo prazo, para tornar viável essa terceira via integrada por forças e correntes centrífugas? Será porventura fácil suster essa congregação de correntes? São pois questões que se colocam e de cuja resposta, dependerá a afirmação dessa terceira via.
VOA - Esmiucemos agora a eleição de Malam Bacai Sanha, para a presidência da Guiné-Bissau. Eleito por um pouco mais de 200 mil eleitores, num pleito eleitoral em que a abstenção esteve na fasquia dos 40 por cento, números que de resto suscitam obrigatoriamente ilações, aos políticos. Está-se de certa forma perante o caso da eleição de um presidente, fragilizado em termos de legitimidade popular?
Fafali Kowdawo: Diria que do ponto de vista jurídico, Malam Bacai Sanha é para todos os efeitos o presidente dos guineenses, com toda a legitimidade que lhe eh conferida, pela Constituição da Republica. Do ponto de vista político foi eleito por um pouco mais de metade do eleitorado nacional. Quarenta por cento dos guineenses preferiram não votar. Estamos perante uma realidade a sugerir uma mensagem forte e eloquente. E claro que Malam Bacai Sanha vai ter que saber mobilizar toda essa franja do eleitorado que preferiu não votar. Para essa franja da população, Bacai Sanha será sempre a imagem de um corpo estranho, de um presidente por defeito. Para esta franja populacional a derrota de Kumba Yala terá sido bem mais simbólico do que a eleição de Malam Bacai Sanha.
VOA - O facto de Malam Bacai Sanha ter chegado a candidato, através de umas eleições internas no seio do PAIGC, ate que ponto vê em certa medida reforçada a sua posição a nível das estruturas daquele partido maioritário na Guine Bissau?
Fafali Kowdawo: Claro, o facto de ter vencido as eleições primárias do partido, consolida a sua liderança, pelo menos a nível de uma facção partidária. Mas conviria não perder de vista que no seio do PAIGC existem tendências que são praticamente inconciliáveis. As eleições primárias conferiram-lhe uma certa legitimidade. Mas Malam Bacai Sanha não foi o candidato de preferência do actual primeiro-ministro e líder do PAIGC, Carlos Gomes Júnior.
VOA - Posto a questão nesse termos, está visto que contrariamente ao que se deduz, apesar da chefia do governo e da presidência estarem nas mãos do PAIGC, a convivência entre esses dois poderes e personalidades, de pacífica pouco ou nada terá?
Fafali Kowdawo: E de se prever! Em termos de tranquilidade, a caminhada será porventura longa. Está-se aqui perante líderes de facções internas do PAIGC. Apesar do actual governo ser integrado por elementos afectos à ala de Carlos Gomes Júnior, há toda uma outra facção, à espera da sua fatia do bolo do poder. E não me surpreenderá se da parte do eleito presidente surgirem nos próximos tempos jogadas políticas tendentes a levar a água ao seu moinho, ou seja em ver elementos que lhe que são afectos nas estruturas da governação do país. E dessa luta, antevejo um ambiente de conflitualidade partidária, com reflexos a nível da governação do país e quiçá na própria estabilidade.
Fonte
- Nelson Herbert. GB: Análise das Eleições Presidenciais — Voz da América, 21 de agosto de 2009
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