15 de agosto de 2020

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Quando um grande terremoto de 6° na escala Richter sacudiu a costa leste da África por volta das 8h15min do dia 12 de agosto, os tanzanianos rapidamente acessaram o Twitter para falar sobre o evento incomum que balançou lustres e quebrou janelas e paredes.

O terremoto atingiu o Oceano Índico, a aproximadamente 82 quilômetros da costa sudeste de Dar es Salaam, na Tanzânia, a capital cultural e financeira do país. Moradores do arquipélago de Zanzibar, bem como do litoral do Quênia, também sentiram os tremores. Nenhuma morte foi notificada e um tremor moderado foi sentido no dia seguinte.

O terremoto sem precedentes na história recente chamou a atenção dos tanzanianos no Twitter, mas as notícias sobre o assunto foram rapidamente censuradas com base em novas regras de conteúdo online que proíbem os cidadãos de comentar sobre a “ocorrência de calamidades naturais” - como terremotos - “sem a aprovação das autoridades. ”

No mês passado, o Dr. Harrison Mwakyembe, ministro da Informação, Cultura, Artes e Esportes da Tanzânia, assinou o novo “Regulamento de Comunicações Eletrônicas e Postagens (Conteúdo Online) de 2020”, que substitui o regulamento de 2018 com a inclusão de regras mais restritas.

De acordo com a LEX Africa (Advogados para a África), as regras de conteúdo online de 2020 “se aplicam a todos os conteúdos transmitidos ao público por meio de sites da internet, softwares, aplicativos, fóruns, blogs, weblogs, microblogs, contas públicas, ferramentas de mensagens instantâneas como WhatsApp, streaming ao vivo e outras plataformas relacionadas, como o YouTube. ”

As multas chegam a 5 milhões de xelins da Tanzânia (aproximadamente 2.151 dólares) e os infratores podem ir para a prisão por 12 meses.

De acordo com a categoria da lei de “informação pública que pode causar confusão ou desordem pública”, os cidadãos tanzanianos não estão tecnicamente autorizados a mencionar um terremoto antes do governo ter aprovado oficialmente as mensagens sobre o assunto.

Mas você pode esperar que as pessoas fiquem quietas quando passam por um terremoto? Cerca de uma hora depois que o terremoto atingiu a Tanzânia, diversos internautas usaram o Twitter para comentar sarcasticamente sobre a lei.

Silenciando a pandemia

Os terremotos, no entanto, não são os únicos problemas que foram silenciados. Os novos regulamentos de conteúdo online também proíbem os cidadãos de compartilhar qualquer “conteúdo com informações sobre um surto de uma doença mortal ou contagiosa” sem a aprovação do governo, incluindo comentários relacionados a medicamentos.

Esta regra foi adicionada depois que a COVID-19 atingiu a Tanzânia em março de 2020.

No início de abril, o parlamento da Tanzânia decidiu promover uma inalação de ervas contra o coronavírus, conhecida como kupiga nyungu - que se traduz livremente como "acerte a poção" - encorajando os cidadãos a usarem o vapor de ervas e comerem uma mistura de limão, pimenta e gengibre.

O presidente John Magufuli também pediu aos cidadãos tanzanianos que orassem a Deus e insistiu que os locais religiosos permanecessem abertos. No início de maio, Magufuli proibiu o laboratório nacional da Tanzânia de fazer testes COVID-1, após questionar a precisão dos exames.

Desde 29 de abril, a Tanzânia não publica os dados oficiais relativos a COVID-19 e, por fim, no início de junho, o presidente Magufuli declarou a Tanzânia livre da pandemia.

Tremores eleitorais

O novo regulamento foi emitido pouco antes das eleições presidenciais em outubro. O partido atual, Chama Cha Mapinduzi - ou Partido Revolucionário (CCM) - detém o poder desde 1961, mas as eleições recentes colocaram sua posição em xeque.

As novas regras também proíbem postagens sobre protestos, incluindo qualquer "conteúdo que esteja envolvido no planejamento, organização, promoção e convocação de manifestações, marchas ou similares que levem à desordem pública", e autoridades da Comissão Reguladora da Tanzânia, que criou as novas regras para o conteúdo online, têm o poder de intervir em qualquer conteúdo considerado como "uma ameaça à segurança nacional".

Os críticos dizem que esses regulamentos violam a constituição, incluindo o Artigo 13 e o Artigo 18, que protegem a liberdade de informação, e chamam o novo regulamento de uma tentativa de sufocar ainda mais as vozes da oposição na corrida para as eleições de 2020, tornando quase impossível para os cidadãos e candidatos falar abertamente sobre diversas questões. Nos últimos anos, vários jornalistas e defensores dos direitos humanos foram detidos sob acusações duvidosas.

Enquanto as campanhas eleitorais estão em andamento, o governo também proibiu a circulação de mídia estrangeira sobre a Tanzânia no país sem prévia aprovação, deixando os críticos se perguntando como os jornalistas podem cobrir de forma justa e livre as eleições de 2020.

Magufuli recebeu elogios e críticas devido a seu sloganhapa kazi tu (“tudo funciona aqui”), mas a grande quantidade de novas leis que restringem a liberdade de expressão e silencia a oposição vai além disto. A “Magu-foria” foi seguida pela “Magu-fobia”, sugere o escritor Sabatho Nyamsenda.

A pandemia da Covid-19, um terremoto e uma eleição são três questões muito diferentes, mas cada uma tem o potencial de impactar seriamente a vida do povo da Tanzânia, o que leva a perguntar: "É realmente possível controlar as conversas online sobre os assuntos que mais importam para as pessoas? E em caso afirmativo - a que custo?"

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