24 de agosto de 2024

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"As pessoas me dão sapatos e roupas para eu vender. Mesmo que seja por duas coras (moedas de 0,25 centavos de dólar), eu as vendo e daí como", comenta Lidia Ortez Ángel, que acaba de completar 65 anos e vive em El Salvador, um país conhecido por ter desarticulado o poder das duas gangues mais temidas da América Central: Mara Salvatrucha e Barrio 18.

Lidia nunca deixou Soyapango, a segunda cidade mais populosa de El Salvador, onde viveu toda a sua vida, sobrevivendo de empregos informais ou da caridade de alguns de seus vizinhos.

"Fui ver uma senhora para quem lavava e passava a ferro. Estou há um ano e meio sem fazer isso porque os ossos me falham... Ela acabou de me dar uma chávena de pudim de arroz. Com isso, não vou mais almoçar", conta à Voz da América na manhã de 13 de agosto.

Lidia não é a única mulher em El Salvador a enfrentar a falta de emprego e condições económicas difíceis. Bem em frente à sua casa, Marina Navas, uma mulher um pouco mais jovem, vive em circunstâncias semelhantes.

"A gente não encontra trabalho, o dinheiro não chega. Agora não tenho nada, Não tenho o que comer. O presidente foi gente boa, nos mandou caixas de comida, agradeço, mas gostaria que mandasse mais um pouquinho", comenta Navas.

Navas trabalha como babá e ganha 100 dólares por mês, um terço do salário mínimo no país, que equivale a 365 dólares.

Quando Nayib Bukele assumiu a presidência de El Salvador em 2019, a principal preocupação dos salvadorenhos era a violência causada por gangues. No entanto, pesquisas atuais mostram que a economia, incluindo o desemprego e o alto custo de vida, tornou-se o novo grande problema.

Bukele respondeu baixando tarifas sobre produtos da cesta básica, instalando agro-mercados onde os alimentos são vendidos mais baratos e alertando os produtores para não especularem sobre os preços sob ameaça de serem processados criminalmente. No entanto, até agora, essas medidas tiveram o efeito oposto ao desejado.

Segundo o Banco Central de Reserva de El Salvador, o preço dos alimentos continua sendo superior ao de outras categorias que compõem o índice geral de produtos, e manteve uma tendência de alta nos últimos cinco meses.

Entre junho e julho de 2024, o preço dos alimentos em El Salvador aumentou 0,9 %. Dos 12 produtos e serviços monitorados, os alimentos e serviços de hotéis e restaurantes registaram os maiores aumentos.

Além disso, o custo da cesta alimentar na zona urbana de El Salvador subiu 30,6%, passando de USD 202 em julho de 2021, quando ocorreu o último aumento do salário mínimo, para USD 264 em julho de 2024, segundo dados do Escritório Nacional de Estatísticas e Censos (ONEC).

Isso significa que o que antes era comprado com 5 dólares, agora custa quase o dobro.

Luis Treminio, presidente da Câmara Salvadorenha de pequenos e médios produtores agropecuários, explicou à VOA que a produção do último ciclo agrícola em El Salvador foi a mais baixa dos últimos sete anos. Entre as causas estão a mudança climática, o aumento e a escassez de mão-de-obra, o aumento dos custos de aluguer de terras e de insumos agrícolas, assim como a falta de apoio dos últimos quatro governos para impulsionar a agricultura.

"É preocupante porque, em vez de apostar na soberania alimentar, estamos nos afastando", adverte Treminio, ressaltando que essa dependência do mercado faz com que El Salvador esteja subordinado aos preços dos fornecedores.

Lidia Ortez, tocando sua bolsa de tecido e virando-a para o chão para mostrar que está vazia, comenta que às vezes lhe dão cinco dólares, mas que a vida ficou tão cara que é quase impossível comprar carnes e legumes com essa quantidade.

Quase metade da população em El Salvador não tem acesso a um emprego formal com benefícios sociais como saúde e poupança para pensão, segundo o Escritório Nacional de Estatísticas e Censos (ONEC), que avalia a qualidade de vida dos cidadãos através de sua pesquisa anual de "lares de múltiplos propósitos".

Em 2023, 42,5% dos Salvadorenhos, como Lidia Ortez ou Marina Navas, sobreviveram graças ao "subemprego", ou seja, empregos sem benefícios legais e em condições precárias.

"O subemprego é tão grave, ou até pior, que o desemprego, já que as pessoas pobres, especialmente em países em desenvolvimento onde as redes de proteção social costumam ser limitadas, não podem se permitir estar desempregadas e estão, portanto, obrigadas a realizar atividades económicas que não são muito produtivas e proporcionam escassos rendimentos", adverte a Fundação para o Desenvolvimento da América Central (FUDECEN) em um estudo recente.

Além disso, aqueles que têm um emprego formal muitas vezes enfrentam um salário mínimo que não garante uma vida digna.

Desde 2021, o salário mínimo em El Salvador permaneceu em USD 365 por mês. Segundo a legislação, este deve ser revisado pelo menos a cada três anos, levando em consideração o custo de vida, que inclui alimentação, vestuário, moradia e educação, entre outros fatores.

Embora a cesta básica tenha aumentado 30% desde a última revisão, o governo ainda não iniciou discussões sobre um possível aumento do salário mínimo.

A receita "Bukele"

Por enquanto, Bukele concentrou seus esforços em outras medidas para aliviar o custo de vida, como a recente eliminação de impostos de 160 produtos da cesta básica, incluindo grãos básicos, verduras, hortaliças e carnes, por um período de 10 anos.

Embora a recente medida tenha sido aprovada por 59 dos 60 legisladores, um partido de oposição ao governo sugere que o ideal seria eliminar o imposto sobre Valor Agregado (IVA), que é de 13%, para obter um impacto real na cesta básica. Eles argumentam que, como El Salvador já possui acordos de Livre Comércio (TLC) na América Central, muitos produtos já estão isentos de tarifas.

Outras medidas do governo se concentraram em incentivar o Investimento Estrangeiro. A mensagem sobre a mudança na segurança pública em El Salvador ultrapassou fronteiras, resultando em um aumento turístico, refletido em um aumento de 36% entre 2022 e 2023.

Os agentes imobiliários já falam de um acelerado desenvolvimento na zona costeira do país, desde o departamento de La Libertad até La Paz, onde se encontra o Aeroporto Internacional de El Salvador Oscar Arnulfo Romero.

O crescente interesse dos compradores, juntamente com a melhoria da segurança, levou a um aumento nos preços dos imóveis na zona costeira de El Salvador, o que poderia se tornar outro desafio para o governo no futuro.

"Já consertamos o mais urgente que era a segurança, agora vamos nos concentrar totalmente nos problemas importantes, começando pela Economia", declarou Bukele em 1 de junho, quando recebeu pela segunda vez a faixa presidencial ao iniciar seu segundo mandato.

No entanto, o país enfrenta uma dívida pública de 30.173 milhões de dólares, dos quais quase 11.000 milhões foram acumulados durante a gestão de Bukele. Essa dívida total equivale a 84% do Produto Interno Bruto (PIB) de El Salvador.

Analistas concordam que grande parte da economia salvadorenha se mantém à tona graças aos 8.000 milhões de dólares em remessas enviadas anualmente pelos salvadorenhos que vivem no exterior.

Fontes

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