29 de outubro de 2010
Personagens de um relacionamento historicamente delicado no continente Africano, Moçambique e Malaui voltaram a trocar acusações nos últimos dias. O motivo foi a interceptação de um barco carregado com fertilizantes, que era esperado para a inauguração do porto malauiano de Nsanje, no Rio Chire, no último sábado (23). O porto é considerado por Malaui como primeiro passo para criar um corredor fluvial até o Oceano Índico. O país não tem saída para o mar e as mercadorias precisam, necessariamente, passar pelo Rio Zambeze, em território moçambicano.
O barco foi parado no Rio Zambeze, na região de Marromeu. O adido militar do Malaui, que estava a bordo, foi detido por 24 horas. Segundo o governo de Moçambique, o barco não tinha autorização para seguir viagem, pois o trecho ainda não é considerado navegável. Há 50 anos não há transporte comercial por ali. “Compreendemos a impaciência do Malaui, mas não podemos saltar etapas”, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros de Moçambique, Oldemiro Baloi. “Achamos que o projeto não deve ser forçado a avançar sem os devidos estudos de viabilidade”.
Moçambique alega que as obras no Rio Chire podem impactar negativamente a Bacia do Zambeze, razão da necessidade prévia de um detalhado estudo de impacto ambiental, que está em andamento. Balói definiu como “repudiável” o fato de o governo do Malaui inaugurar o porto antes do fim dessa avaliação.
O alto comissário (denominação dos países da Commonwelth para o cargo equivalente ao de embaixador) do Malaui em Moçambique, Martin Kansichi, considerou as palavras de Baloi uma “provocação”. “Existem documentos que comprovam que existe um acordo que prevê a realização de uma viagem experimental”, disse o diplomata. “O processo começou em janeiro e acredito que o Malaui foi suficientemente paciente, além de ter seguido todos os procedimentos e declarações necessárias”. Moçambique confirma ter recebido os pedidos, mas afirma não ter dado a autorização definitiva.
O projeto de navegabilidade dos rios Chire e Zambeze começou a ser discutido em 2005, a partir de sugestão do Malaui. Um estudo de viabilidade foi feito no ano seguinte, mas considerado inconclusivo pelas autoridades moçambicanas. Em 2007, foi criado um comitê técnico entre Malaui, Moçambique e Zâmbia (também beneficiada pelas obras), que abriu, um ano depois, edital internacional para elaboração do estudo, ganho pela única concorrente inscrita. Em outubro de 2009, Moçambique acusou a empresa de não cumprir o contrato, que acabou suspenso.
O episódio do barco de fertilizantes ocorre vinte dias depois de o Malaui ter lançado uma licitação internacional para construção de um oleoduto ligando o distrito de Nsanje ao Porto da Beira, em território moçambicano. De acordo com o ministro de Energia, Salvador Namburete, citado pelo jornal estatal Noticias, Moçambique estava “totalmente aberto” ao projeto, mas, até aquele momento, “não tinha recebido qualquer comunicação oficial sobre o assunto”.
Atualmente, todo petróleo comprado pelo Malaui entra no país de caminhão, a partir dos portos da Beira e de Nacala, em Moçambique, e de Dar-es-Salam, na Tanzânia. Com a via fluvial direta para o mar, o transporte ficará mais barato para Malaui, porque não vai precisar pagar taxas aos portos moçambicanos.
O Malaui, ex-colônia britânica, tem boa parte do território cercada por duas províncias moçambicanas: Tete e Niassa. Também faz fronteira com a Zâmbia e a Tanzânia. Foi o primeiro país a tornar-se independente no Commonwelth, em 1964. Conhecido pelo grande Lago Niassa, o nono maior do mundo, Malaui tem 80% da população vivendo em áreas rurais, sendo 53% abaixo da linha da pobreza, de acordo com dados de 2004.
No poder desde 2004, o presidente Bingu Wa Mutharika luta sem grande vitórias contra a oposição que controla o parlamento malauiano. A economia depende basicamente da exportação de tabaco e de ajudas internacionais. Sofre com falta de energia e água, altos índices de corrupção, pobre infraestrutura de telecomunicações e alto custo dos serviços. As relações entre os vizinhos são cordiais, mas tensas há muito tempo.
“Malaui sempre esteve do lado que Moçambique considera o lado errado das coisas”, analisa o professor Antonio Gaspar, do Instituto Superior de Relações Internacionais de Moçambique. “Não ajudou na guerra colonial com Portugal e, depois da independência, apoiou a Renamo (Resistência Nacional Moçambicana, grupo guerrilheiro da década de 1980 e hoje o maior partido de oposição ao governo de Armando Guebuza). “Um mês antes de morrer (em 1986), o presidente moçambicano Samora Machel chegou a ameaçar instalar mísseis apontados para lá”.
Segundo o especialista, a tensão baixou depois do fim da guerra civil, há 16 anos. Gaspar aposta no “esfriamento” das relações bilaterais. “Esfriamento significa que o relacionamento fica, sim, afetado. Mas acredito que a maturidade diplomática dos dois lados vai trazer os pontos divergentes para a mesa, para negociar e ver onde está mal. Afinal, um precisa do outro”.
Fontes
- ((pt)) Eduardo Castro. Projeto de hidrovia é o mais novo foco de tensão entre os vizinhos Moçambique e Malaui — Agência Brasil, 28 de outubro de 2010
- ((pt)) Simião Pongoane. Moçambique e Malawi de Costas Voltadas — Voz da América, 28 de outubro de 2010
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