19 de setembro de 2024

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Na última quarta-feira (11), a cidade de São Paulo ficou em primeiro lugar no ranking das cidades com a pior qualidade do ar do mundo, superando cidades como Ho Chi Minh, no Vietnã, e Lahore, no Paquistão. O índice de qualidade do ar é medido pelo site AQI – Air Quality Index, que monitora em tempo real os níveis de poluição de cidades ao redor do mundo.

Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina (FM) da USP, explica os primórdios do reconhecimento da poluição do ar como problema de saúde pública. Segundo o professor, as cidades passaram a crescer bastante nos anos 1950 e a produção de energia, com o uso do carvão, fez com que grandes episódios de poluição começassem a aparecer nas cidades. O primeiro grande episódio, chamado de The great smog (O grande nevoeiro), ocorreu em Londres em 1952, onde houve uma inversão térmica que ocasionou a morte de 15 mil pessoas.

A cidade de São Paulo teve seu “boom” em 1970 e, com ele, a consciência da necessidade de preservar o meio ambiente veio junto; no entanto, o aumento populacional e o rápido crescimento da cidade impediram medidas mais eficazes de serem adotadas. O professor discorre sobre o trânsito da cidade e seus impactos na poluição urbana: “A cidade de São Paulo tem muita gente exposta, a cidade cresceu muito, e quanto mais gente, você tem mais vulneráveis. Você cria vulneráveis, tanto fisicamente como também do ponto de vista de mobilidade. Tem gente que demora horas para se deslocar na cidade de São Paulo”.

As estimativas mostram que a poluição do ar é responsável por 7 milhões de mortes anualmente no mundo, sendo que 4,2 milhões estão associadas à poluição nos ambientes externos, e 3,8 milhões à poluição de ambiente interno, o que inclui a queima de madeira e outros materiais para aquecimento ou para cocção de alimentos. No mundo, 52% das mortes associadas às doenças cardiovasculares estão relacionadas à poluição do ar. No caso das doenças respiratórias crônicas, 16% das mortes estão associadas à exposição à poluição do ar. Com relação ao grupo das crianças, há uma estimativa de 600 mil mortes de crianças com menos de 5 anos por doenças infecciosas respiratórias e outras condições associadas à poluição do ar.

Tempestade perfeita

Segundo Paulo Saldiva, a conjuntura de fatores foi o que tornou esse episódio tão problemático. “Eu estudo esse tema há quase 50 anos e eu nunca tinha presenciado uma situação onde o clima está ruim; a secura e a alta temperatura em si já fragilizam as pessoas, a dispersão de poluentes está muito ruim, porque tem uma estagnação da massa do ar. Então, mesmo que não tivesse queimado o mato, a qualidade do ar não estaria boa, mas, quando queimou as plantações, a mata, isso é uma tempestade perfeita. No caso da poluição veicular e industrial, você pode parar a frota de carros, pode fazer o sistema regular a circulação ou reduzir a atividade industrial. Com fogo, você tem que apagar”, enfatiza.

O professor afirma que um dos principais desafios para o combate à poluição é a conscientização de toda a sociedade e comenta a necessidade de pensar em medidas para gerar um menor impacto nos cidadãos brasileiros. “Agora nós estamos falando de uma coisa que não é organizada. Você não está discutindo com o setor e sim com questões da natureza, do comportamento individual de pessoas. Tem gente que queima mato para abrir pasto. Neste momento é só orientar as pessoas. O que eu faria se eu fosse algum gestor, eu teria reduzido, estimulado o trabalho domiciliar e reduzido o fluxo de carro”, complementa.

Saúde

Durante esses períodos de secura e poluição, o cuidado com a saúde deve ser redobrado. A pesquisadora Mariana Veras, coordenadora do Laboratório de Patologia Ambiental e Experimental do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, discorre sobre a necessidade de aumentar a hidratação durante esses episódios. Mariana fala um pouco sobre a saúde das mucosas, os olhos, a garganta e as vias respiratórias.

“Entre os efeitos de curto prazo, a primeira coisa que as pessoas sentem é a irritação nos olhos, também no nariz, uma secura na pele, secura na garganta, dá impressão de uma dor de garganta, coriza, um pouco de tosse, às vezes dor no peito, assim como uma dificuldade para respirar. Algumas pessoas também sentem náusea, dor de cabeça e um pouco de tontura. Assim, a curto prazo aumenta o risco para as infecções respiratórias, agravamento de asma e outros problemas associados ao sistema respiratório. Entre os efeitos de longo prazo, então as exposições continuadas, por anos, décadas, a poluição do ar aumenta o risco para doenças pulmonares crônicas obstrutivas, diabete e outras síndromes metabólicas, têm estudos mostrando que a exposição à poluição somada a essa vida nas grandes cidades mais sedentárias aumentam muito o risco para a obesidade e, no cenário mais extremo, o câncer de pulmão” , afirma.

A pesquisadora também apresenta estudos recentes, que ressaltam os perigos da poluição nos olhos. De acordo com a pesquisa, os gases presentes na poluição são capazes de afetar os nossos olhos. Eles provocam uma irritação por estresse oxidativo ou por inflamação. A longo prazo, essa exposição pode causar catarata, glaucoma, uveíte e efeitos na retina, por consequência de todo esse processo. Outros estudos apontam que pode haver a entrada dessas partículas no nosso sistema nervoso central, é possível que essas partículas, pelo seu diminuto tamanho, consigam chegar até as áreas mais profundas e as estruturas mais importantes para a visão dos nossos olhos, afetando-as diretamente.

Grupos mais vulneráveis como idosos, crianças e grávidas devem se proteger ainda mais. Mariana explica: “Falando das gestantes expostas à poluição e, em consequência, nessa criança que ainda nem nasceu, a gente tem uma associação com baixo peso e partos prematuros. Além disso, tem estudos mostrando que essa exposição durante a gestação promove também prejuízo no desenvolvimento cognitivo da criança e também um aumento do risco para alguns tipos de câncer infantil. Falando dos idosos, a poluição vai agravar aquelas condições de saúde já existentes, então aumentando ainda mais o risco para, por exemplo, infarto do miocárdio e AVCs. A poluição do ar apresenta efeitos e impõe riscos muito sérios em termos de saúde pública.”

Prevenção

Para amenizar os problemas causados na saúde pela poluição, ambos os pesquisadores concordam que a hidratação é fundamental. Saldiva recomenda a ida ao sistema de saúde, caso o cidadão se sinta diferente do habitual. “Idosos e crianças que começaram a ter febre, tosse, ficar com alteração de comportamento, mudar a cor da urina, sentir um cansaço a mais, devem ser orientados a receber uma visita e saber se precisam ir ao sistema de saúde”, acentua.

É essencial a adoção de políticas públicas com o intuito de reduzir as emissões de gases poluentes, a fim não só de preservar a saúde de seus cidadãos, mas também preservar a natureza. “Eu acho que, individualmente, nós precisamos repensar alguns aspectos da nossa vida que vão ajudar bastante a melhorar a qualidade do ar. Primeiro, o meio de transporte. Segundo, a nossa alimentação. Terceiro, o nosso padrão de consumo. Se engajar mais em atividades para pressionar o poder público, pressionar para que a gente tenha políticas mais fortes para melhorar o nosso ambiente. Infelizmente, a gente tem visto que, apesar das leis, programas que nós temos, parece que está tudo dando ao contrário”, reforça Mariana.

O professor da Faculdade de Medicina conclui trazendo visibilidade para projetos de pesquisa já existentes na cidade de São Paulo e exprime a importância do compartilhamento dessas informações. “Eu acho que existe competência instalada na pesquisa do Estado de São Paulo que pode ser útil para o resto do País. Algumas experiências foram aplicadas aqui. Vamos lembrar que São Paulo tem um projeto que funciona, de pagamento pelos serviços ambientais, funciona bem aqui em São Paulo, que o Instituto Florestal tem um papel importante nisso, muitíssimo importante”, finaliza.

Fontes

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