5 de outubro de 2024

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No Chifre da África, onde alianças políticas frágeis e tensões militares são vistos como normais, o conflito entre Etiópia, Egito e Somália encontrou um novo campo de batalha: as redes sociais. Plataformas como TikTok, X (antigo Twitter) e Facebook agora são jogadores-chave em uma guerra digital onde a desinformação está alimentando o fervor nacionalista e aumentando o risco de violência no mundo real.

Duas questões principais de tensão geopolítica alimentam esse conflito on-line: a construção da Grande Represa do Renascimento (GERD) pela Etiópia no rio Nilo e seu recente envolvimento diplomático com a Somalilândia, uma região autodeclarada independente que busca reconhecimento internacional. Para o Egito, que depende do Nilo para sua água, a represa é vista como uma ameaça direta à sua sobrevivência. Enquanto isso, a aproximação da Etiópia com a Somalilândia gerou indignação na Somália, que vê a mudança como um desafio à sua integridade territorial.

Embora esses conflitos derivem de disputas históricas e geográficas profundamente enraizadas, eles agora alcançaram milhões por meio das redes sociais.

Influência do TikTok

O TikTok, em particular, surgiu como um palco onde tensões geopolíticas complexas são reduzidas, dramatizadas e frequentemente distorcidas. Em uma tendência amplamente compartilhada, um usuário etíope postou um vídeo onde uma mulher simbolicamente despeja água de uma jarra marcada com a bandeira da Etiópia em jarras menores rotuladas Egito e Sudão, representando o controle da Etiópia sobre o Nilo. Acompanhado por música patriótica, o vídeo é uma demonstração ousada de orgulho nacional, amplificando as narrativas etíopes nas redes sociais.

Usuários egípcios do TikTok responderam da mesma forma. Em um vídeo, dois homens despejam água de uma tigela marcada com a bandeira da Etiópia em copos representando Egito e Sudão, apenas para devolver a água à tigela. O vídeo termina com a colocação de um dispositivo explosivo na tigela, sugerindo a frustração do Egito e aludindo à possibilidade de sabotagem. Embora esses vídeos sejam simbólicos, as tensões subjacentes que eles refletem são muito reais.

Com uma guerra de informações em andamento entre o Egito e a Etiópia como pano de fundo, o relacionamento crescente da Etiópia com a Somalilândia complicou ainda mais a dinâmica frágil da região. Em janeiro de 2024, a Etiópia assinou um memorando de entendimento com a Somalilândia, sugerindo um possível reconhecimento de sua independência — um movimento ao qual a Somália se opôs veementemente. Percebendo uma oportunidade, o Egito reforçou seus laços com a Somália por meio de um acordo de cooperação militar, aumentando as tensões na região.

Desde então, surgiram relatos de que o Egito forneceu equipamento militar e pessoal para a Somália.

À medida que as notícias da aliança Egito-Somália se espalhavam, o TikTok e outras plataformas de rede social foram inundadas com vídeos comemorativos, muitos dos quais dependiam de conteúdo gerado por IA e filmagens manipuladas.

Entre os mais provocativos estava um usuário anônimo do TikTok, operando sob o nome “user74220974543408“, que ganhou atenção por uma série de postagens incendiárias. Em uma delas, um mapa da Etiópia é mostrado sob os pés com a bandeira egípcia circulando ao redor, acompanhado por uma música ameaçadora criada para evocar uma sensação de ameaça.

Uma criadora egípcia do Tiktok, @100._._6, frequentemente posta vídeos elogiando o poder militar do Egito e celebrando sua aliança com a Somália. Seu conteúdo ganhou força significativa na Somália, tornando-se um ponto de encontro para aqueles que veem a parceria como vital para combater a influência regional da Etiópia. Esses vídeos atraíram centenas de comentários em árabe, amárico, oromo e inglês, destacando o impacto regional desse crescente conflito digital.

As seções de comentários estão repletas de retórica e bandeiras nacionalistas. Os apoiadores etíopes se gabam afirmando “A Etiópia está pronta” e “Somos reis na África”, enquanto aqueles que carregam a bandeira da Somalilândia oferecem seu apoio, referindo-se aos etíopes como “irmãos” prontos para “lutar”. As contas somalis, por outro lado, expressam prontidão para se alinhar ao Egito e unir forças contra a Etiópia.

Algumas contas vão um passo além, defendendo a violência contra comunidades específicas na Somália. Em particular, contas como @anti_qabiil2023 têm como alvo a comunidade oromo, alimentando tensões ao encorajar a violência contra eles, especialmente dada a herança oromo do primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed.

Até mesmo o recurso de “partida ao vivo” do TikTok — onde os usuários competem por presentes digitais de seguidores — foi cooptado para a briga. Alguns usuários encenam “batalhas” ao vivo, com uma pessoa representando a Etiópia e a outra o Egito, incentivando seus seguidores a enviar presentes digitais como uma demonstração de apoio. Essas disputas de cinco minutos, embora enquadradas como lúdicas, refletem tensões nacionalistas profundamente enraizadas. O lado com mais presentes virtuais vence, transformando o que parece ser uma interação despreocupada em um reflexo das divisões políticas do mundo real da região.

Táticas de IA e desinformação

As táticas de desinformação não se limitaram a vídeos virais e memes. Atores egípcios e somalis reutilizaram discursos de antigos líderes globais para alimentar tensões regionais. Um vídeo amplamente divulgado apresenta o comentário do ex-presidente dos EUA Donald Trump em 2020 de que o Egito poderia “explodir” a Grande Represa do Resnascimento, usado por figuras egípcias e somalis para atiçar o medo de um conflito iminente.

Enquanto isso, atores pró-Etíope e da Somalilândia usaram as críticas anteriores de Trump à congressista somali-americana Ilhan Omar, e comentários sobre a Somália ser um estado “sem lei” para minar o governo da Somália.

A guerra de informações também se baseou na exploração de divisões internas na Etiópia. Atores alinhados aos governos egípcio e somali têm como alvo grupos de oposição na diáspora etíope, particularmente grupos nacionalistas amhara, para aprofundar as divergências políticas. Esses grupos circularam conspirações sugerindo que a comunidade amhara poderia se alinhar ao Egito e à Somália se essas nações interviessem contra o governo de Abiy Ahmed. Essa narrativa, que coloca o governo etíope como uma ameaça à segurança nacional, foi avidamente adotada por figuras egípcias e somalis que buscam capitalizar a discórdia interna da Etiópia.

Usuários pró-governo etíope no TikTok não permaneceram em silêncio neste conflito digital. Eles responderam com conteúdo baseado na longa história de resistência da Etiópia a potências estrangeiras, incluindo conflitos anteriores com o Egito, enquadrando a GERD como um símbolo de soberania nacional. Essas narrativas enfatizam a luta mais ampla da Etiópia pela autodeterminação, colocando o projeto da barragem como um ponto de orgulho nacional.

Para complicar ainda mais a narrativa, usuários de rede social pró-governo etíope têm destacado os rivais regionais do Egito, como Argélia e Marrocos, em um esforço para mudar o discurso a favor da Etiópia. Um desenvolvimento recente viu a Etiópia assinar um acordo de cooperação militar com Marrocos, adicionando outra camada à intrincada rede de alianças e rivalidades da região.

Uma conta proeminente do TikTok publica regularmente propaganda gerada por IA glorificando as capacidades militares da Etiópia, apresentando imagens da bandeira etíope e um leão acompanhados por música motivacional, projetando a força da Etiópia para esmagar seus oponentes. Outra conta imita a voz do primeiro-ministro Abiy Ahmed falando em árabe, gerando milhares de comentários elogiando suas habilidades linguísticas e alcance diplomático.

Disseminação multiplataforma

A guerra da desinformação se espalhou por todas as plataformas, com conteúdo sendo republicado no Facebook e no X, muitas vezes sem verificação adequada. Isso alimentou a imitação e a disseminação viral de memes, amplificando o alcance da desinformação e aumentando as tensões em um ambiente político já frágil.

O TikTok lançou seu Conselho Consultivo de Segurança da África Subsaariana, modelado após o Conselho de Supervisão do Meta, embora seu sucesso em coibir conteúdo prejudicial nesta região turbulenta ainda esteja para ser visto.

Conforme a lacuna entre a desinformação on-line e o conflito do mundo real diminui no Chifre da África, as apostas nesta guerra digital estão se tornando cada vez mais severas.

Fontes

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