Brasil • 23 de setembro de 2014
A perspectiva de um militar que resistiu ao golpe de 1964 foi relatada hoje (23) pelo capitão do Exército aposentado Darcy Rodrigues à Comissão Municipal da Verdade, da Câmara de Vereadores de São Paulo. Ele atuou ao lado do também militar Carlos Lamarca na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), grupo de resistência armada à ditadura. O testemunho de Rodrigues apontou para a existência de financiamento empresarial à implantação do regime e apresentou detalhes do modo de organização da guerrilha que atuou no Vale do Ribeira. Hoje, o militar está com 73 anos e reside em Bauru, no interior paulista.
“Em 30 de março, constatei que existia uma frota de jipes zero quilômetro sem emplacamento e vários ônibus para deslocamento de tropa. Os carros teriam sido comprados pela Casa Civil de São Paulo e os ônibus seriam contribuição da Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo]”, declarou. Ele apontou que a tropa foi informada do golpe em dia 31 de março, às 17h30. “Soubemos que o general Amauri Kruel, comandante do 2º Exército [atual Comando Militar do Sudeste], teria ligado ao presidente [João Goulart] e apresentado condições para continuar a apoiá-lo”.
Uma delas era a colocação da Central Geral dos Trabalhadores (CGT) na ilegalidade. Rodrigues não confirmou, no entanto, a versão do coronel do Exército reformado Erimá Pinheiro Moreira que, em depoimento à comissão municipal, disse ter visto o general Kruel ser subornado para aderir ao golpe. “A mudança de comportamento repentina é indício claro de que houve uma força convincente”, avaliou, em referência ao dinheiro (um total de US$ 1,2 milhão) que, de acordo com o depoimento de Moreira, foi pago ao general pelo então presidente da Fiesp, Raphael de Souza Noschese. De acordo com o capitão, antes que o general mudasse de lado, a tropa comandada por Kruel estava pronta para defender as forças legalistas.
O guerrilheiro falou também sobre a prática, intitulada de expropriação de armas e dinheiro, utilizada pelos militantes da VPR. Ele relatou ter participado de pelo menos três ações. Em uma delas, o grupo pegou aproximadamente US$ 2,5 milhões de um cofre particular. “Soubemos que havia cofres na Guanabara [que se fundiu depois ao Rio de Janeiro] que pertenciam ao governador Ademar de Barros, dinheiro fruto de corrupção”, relatou. Rodrigues contou que os militantes descobriram, por meio de uma militante secundarista, um desses endereços e montaram uma operação para pegar o dinheiro. “Fiquei na porta da casa e uma 15 pessoas, caracterizadas como policiais federais, entraram alegando que estavam ali para vistoria de denúncia”, apontou.
Rodrigues relatou ainda os motivos que o levaram a ser preso, em abril de 1970, quando participava de um grupo de guerrilha armada no Vale do Ribeira, ao lado de Carlos Lamarca. Ele conta que, ao se distanciar do grupo para montar um centro de observação de movimentação das tropas, ele perdeu contato com os guerrilheiros, ficando mais vulnerável à ação dos militares. Após ser detido, ele foi torturado, como ocorria a outros presos políticos da época. “Estávamos na mata, mas, mesmo assim, eles usaram aparelhos improvisados de tortura. Além disso, durante pelo menos dez dias, ficamos praticamente sem alimentação e água”, relatou.
Durante a audiência, o presidente da Comissão Municipal da Verdade, vereador Gilberto Natalini, informou que o relatório final dos trabalhos deve ser entregue em dezembro, quando também se encerra o prazo para a finalização das atividades da comissão nacional.
Fontes
- ((pt)) Camila Maciel. Comissão da Verdade de SP ouve militar que integrou guerrilha contra a ditadura — Agência Brasil, 23 de setembro de 2014
A versão original, ou partes dela, foram extraídas da Agência Brasil, sob a licença CC BY 3.0 BR. |
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