12 de maio de 2021
O depoimento do presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, à CPI da Pandemia ontem (11) evidenciou a existência de um comando paralelo no enfrentamento da crise na saúde pública, disse o senador e vice-presidente do colegiado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Para ele, isso impõe a necessidade de uma nova convocação do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Já os defensores do governo, como o senador Marcos Rogério (DEM-RO), avaliam que o depoimento do dirigente da Anvisa não acrescentou nenhuma novidade às apurações feitas pela CPI. "Há um sentimento meu, de Omar [Aziz, presidente da comissão] e de Renan [Calheiros, relator da comissão], que é fortalecido pelo depoimento de hoje, de que há necessidade de reconvocação de Marcelo Queiroga", disse Randolfe.
Segundo o senador, a existência desse comando paralelo começou a transparecer nos depoimentos dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich e foi tangenciada no primeiro depoimento de Marcelo Queiroga. Para Randolfe, o depoimento do atual ministro deixou patente que o comando da pandemia não está no Ministério da Saúde. Na opinião do parlamentar, o depoimento de Barra Torres foi “contundente e sincero e dá conta que ele estava presente na reunião em que tentou ser imposta a [mudança da] bula da cloroquina”. "Nessa dita reunião, ele não se resignou a aceitar, se insurgiu contra aquela posição. Isso mostra a existência de um comando paralelo e uma obsessão pelo "tratamento precoce", sem nenhuma evidência científica, e subvertendo a Anvisa para impor o tratamento com hidroxicloroquina. O depoimento [de Barra Torres] foi de suma importância", afirmou.
Randolfe disse ainda que a comissão deverá avaliar a convocação da médica Nise Yamaguchi, defensora da cloroquina no tratamento da covid-19. "No momento oportuno será exame de deliberação. Há um conjunto de requerimentos a serem deliberados. A direção da CPI deve se reunir. Vamos definir o momento mais oportuno para deliberação de todos os requerimentos de convocação. Já temos calendário para o mês de maio", afirmou.
Já Marcos Rogério, defensor do governo, divergiu e disse não ter havido qualquer novidade no depoimento do presidente da Anvisa. "O depoimento de Barra Torres foi técnico e muito esclarecedor, ele enfrentou todas as questões apresentadas. Agora, esse depoimento é tomado na medida da relação direta que tem o diretor da Anvisa com os temas relativos à regulação. Com todo respeito, o depoimento confirma aquilo que os parlamentares já tinham conhecimento, com exceção de alguns pontos que ele trouxe e foram esclarecedores com relação ao processo envolvendo a vacina russa. As demais afirmações que foram feitas são afirmações de conhecimento de todos, não há nenhuma novidade, é mais um depoimento que vem confirmar aquilo que o governo vem afirmando desde o início. Algumas manifestações que fez representam opinião, mas não estão relacionadas ao campo de atuação do presidente da Anvisa", disse Marcos Rogério.
Quanto à confirmação, pelo presidente da Anvisa, da reunião ministerial em que houve pedido para mudança da bula da cloroquina, como forma de incluir a substância no tratamento da covid-19 - conforme já afirmara Mandetta em seu depoimento à comissão - Marcos Rogério afirmou: "É admirável ouvir senadores repercutindo esse tipo de situação numa CPI. Nós estamos diante de um clássico caso de crime impossível. Em algum lugar desse país é possível modificar bula de remédio por decreto presidencial, estadual ou municipal? Isso é como alguém tentar matar alguém e na munição você ter apenas pólvora ou então você utilizar uma arma de brinquedo e tem lá uma bala de algodão. O acusado vai ser absolvido sumariamente porque vai estar diante de um crime impossível. Não se muda bula de remédio por decreto no Brasil. É admirável que alguns se prendam a isso de maneira tão enfática. Chega a ser risível ouvir esse tipo de sustentação num ambiente de CPI", afirmou.
Marcos Rogério ressaltou que Barra Torres não afirmou que a proposta de mudança da bula tenha partido do presidente da República, Jair Bolsonaro, mas de uma “convidada” a participar da reunião.
Em seu depoimento na CPI na semana passada, o ex-ministro Saúde Luiz Henrique Mandetta também falou sobre um "comando paralelo" no governo, ao dizer que nas reuniões, Bolsonaro parecia entender e concordar com as políticas propostas para combater a pandemia, mas dias depois mudava de ideia. "O presidente compreendia (...), mas dois ou três dias depois voltava atrás", disse Mandetta, adicionando: "Lembro dele sempre questionar a cloroquina e que adotaria o confinamento vertical. Ele tinha provavelmente outra fonte, porque o ministério nunca dava informações fora da cartilha da OMS".
A participação de Nise Yamaguchi
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), afirmou nesta terça-feira (11) que a médica Nise Yamaguchi participou de reuniões no Palácio do Planalto na condição de “colaboradora eventual” do comitê criado para acompanhar ações de enfrentamento à pandemia. Ele citou uma portaria de 2019 que, segundo ele, regulamenta a figura do colaborador eventual. "É pessoa sem vínculo com a administração pública federal convocada a prestar colaboração de natureza técnica especializada ou participar de evento de interesse do ministério em caráter eventual", explicou.
Bezerra apresentou essas informações após questionamentos feitos pelo relator da CPI da Pandemia, senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Para o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), a participação de Yamaguchi em reuniões no Palácio do Planalto não representa um problema — ele argumentou, inclusive, que o presidente Jair Bolsonaro precisa dialogar com a sociedade organizada e os cientistas. "O que somos contra é chegar com um decreto [para alterar a bula da cloroquina para prescrevê-la no tratamento da covid-19] e pedir para o presidente da Anvisa botar isso na bula. Somos contra", declarou Aziz.
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Fontes
- Senadores divergem sobre existência de 'comando paralelo' no combate à covid-19, Agência Senado, 11 de maio de 2021.
- Bezerra diz que participação de Nise Yamaguchi em reuniões no Planalto foi legal, Agência Senado, 11 de maio de 2021.
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