8 de maio de 2018
Congresso do MPLA é a data limite
O Presidente de Angola, João Lourenço, tem uma relação surpreendentemente combativa com o homem que substituiu.
Quando Lourenço assumiu o cargo em setembro passado, o ex-Presidente José Eduardo dos Santos manteve a liderança do MPLA.
O resultado é o que analistas angolanos descrevem como bicéfala - um corpo com duas cabeças - e muita tensão entre os dois e as suas facções.
Mas essa bicefalia está acabando.
Quando o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, anunciou em 2016 que não se recandidatava, os seus aliados e adversários reagiram com ceticismo.
Dos Santos esteve no poder por 38 anos, já havia manifestado a intenção de se aposentar, mas acabava por mudar de ideias e demitir aqueles que demonstrassem interesse em substituí-lo.
Mas desta vez foi diferente.
Ele prometeu abandonar a política ativa em 2018 e revelou o nome de seu sucessor: o então ministro da Defesa, João Lourenço.
Lourenço foi eleito em 2017, mas José Eduardo dos Santos manteve-se como líder do partido.
Posições diferentes
Analistas viram nisso uma maneira de o ex-Presidente manter o seu sucessor controlado.
E se Dos Santos queria continuidade, Lourenço queria mudança.
A tensão entre os dois veio a público pouco tempo depois de emergir nos bastidores.
“Esse curto-circuito resultou essencialmente da velocidade com que as reformas, que João Lourenço enquanto presidente da República tem encetado na sociedade, estão afetando alguns interesses instalados durante o longevo mandato de José Eduardo dos Santos. A ponto que algumas pessoas, dirigentes, sobretudo, se terão sentido incomodados e têm incentivado o antigo Presidente da República e ainda líder do MPLA a permanecer quase como uma sombrinha para salvaguarda dos seus interesses”, disse Vítor Silva, diretor do Jornal de Angola, nomeado já durante o Governo de João Lourenço.
O Chefe de Estado prometeu combater a corrupção e aumentar a responsabilização dos governantes para evitar o uso indevido de fundos públicos.
Santos protege-se
Poucas semanas depois de tomar o poder, demitiu familiares de José Eduardo dos Santos de posições lucrativas no aparelho empresarial do Estado e cortou a maioria de seus laços comerciais com o Governo.
Rui Neumann, analista sobre temas africanos radicado em Paris, diz que essas decisões ameaçaram José Eduardo dos Santos.
“Ele criou uma saída do poder como muitos outros líderes africanos que se apegam ao poder. Antes da sua partida, fez aprovar uma lei para proteger seus amigos mais próximos e sua família”, sustenta Neumann.
João Lourenço não manifestou a sua intenção de revogar ou alterar essa lei, mas quer acelerar a saída de Dos Santos da liderança do MPLA, o que se antevê facilitado com a decisão do Bureau Político do partido agendar um Congresso extraordinário para setembro.
“A questão da bicefalia vai ser esbatida com a assunção da liderança do partido por parte de João Lourenço. O fato de o Bureau político ter escolhido João Lourenço como seu candidato a futuro líder partidário dá à partida o conforto que este precisava para segurar o comando do MPLA”, reitera Vítor Silva.
Aquele jornalista adianta que em Angola, governar só é possível com a combinação dos poderes do Presidente da República com o presidente do partido porque o sistema político angolano está montado nessa base.
Rui Neumann sempre acreditou que a bicefalia era um conceito exagerado e acredita que em última análise, João Lourenço vai ganhar o braço-de-ferro porque detém as rédeas do poder real, a Presidência.
"Guarda pretoriana" de Lourenço
Lourenço substituiu recentemente mais de 20 altos responsáveis da segurança nacional, incluindo o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, o comandante da polícia nacional, e o chefe do serviço de inteligência estrangeira.
Ao mesmo tempo nomeou como chefe de inteligência interna Fernando Miala, seu aliado que havia sido demitido e colocado sob prisão domiciliária pelo ex-presidente.
Vários exonerados por João Lourenço tinham sido reconduzidos pelo presidente cessante, pouco antes de deixar o cargo.
João Lourenço está também preparando-se para o congresso especial em setembro, onde a rivalidade será dirimida.
“João Lourenço está montando a sua própria Guarda Pretoriana, com pesos pesados do setor político e das forças armadas”, diz Rui Neumann.
As colisões podem ser agora mais improváveis, devido à decisão do Bureau Político, mas não impossíveis.
Welwitschia Tchizé dos Santos, deputada e filha do anterior Presidente angolano, manifestou disponibilidade para servir o partido em “qualquer posição” e considerou, numa entrevista recente à VOA, que a bicefalia é um travão aos poderes absolutos do Presidente da República.
Reação da família Dos Santos
“Vamos ficar à mercê que um qualquer Presidente da República que nos elejamos passe a decidir perseguir, ou não impedir a perseguição, ou inclusive incitar o ódio contra certos cidadãos e que ninguém possa fazer nada, mesmo estando sentidos e não estando de acordo, que ninguém possa fazer nada com receio por este cidadão que nós elegemos ou venhamos a eleger ter todo o poder absoluto?”, perguntou.
Tchizé dos Santos, que perdeu contratos governamentais lucrativos, queixa-se publicamente de achincalhamento e perseguição.
Vítor Silva, por seu lado, diz que não tem razão para reclamar e sublinha que Lourenço pretende acabar com monopólios e oligopólios cujos negócios eram financiados pelo estado, para benefício dos privados.
E, conclui, “só porque João Lourenço “decidiu acabar com essa situação isso não significa que haja perseguição às pessoas que beneficiavam disso”.
Fonte
- ((pt)) Luís Costa Ribas. Bicefalia conhece seus últimos dias em Angola — Voz da América, 8 de maio de 2018
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