Brasília, Distrito Federal, Brasil • 16 de janeiro de 2009

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Uma crise diplomática entre Brasil e Itália foi aberta na última terça-feira dia 13, agravada ontem, depois a decisão unilateralista do Ministro da Justiça, Tarso Genro, de conceder status de refugiado ao italiano Cesare Battisti, condenado a prisão perpétua na Itália por ações que provocaram a morte de quatro pessoas quando militava em uma organização de extrema-esquerda, após o aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia anterior.

Tasso Genro negou que a concessão de asilo foi político, já que Genro é político e é filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT). “Se fosse considerar a minha trajetória política pessoal, teria dado a extradição. Sempre deplorei esse tipo de atividade política, atentados pessoais, terrorismo, violência armada. Eu, na verdade, contrariei minha tradição política.” O ministro afirmou que tomaria a mesma atitude se Battisti fosse um militante de direita.

Ao dar refúgio a um italiano condenado por assassinato em sua atividade terrorista, Tarso Genro provocou, desnecessariamente, uma grave crise diplomática entre o Brasil e a Itália, inclusive dividiu o governo. O governo italiano pediu ontem explicações ao embaixador brasileiro na Itália sobre a decisão.

O ministro Tarso Genro (Justiça) disse hoje que está tranquilo em relação à decisão tomada. Segundo ele, não houve influência política em sua decisão, que foi tomada de acordo com preceitos jurídicos e sem considerar um possível mal-estar diplomático entre Brasil e Itália.

"Estou tranquilo de que tivemos a decisão correta, sem entrar no mérito do direito que tem o Estado italiano, e da fineza e da propriedade de considerar o Estado italiano um Estado democrático", afirmou o ministro.

Porém, o Palácio do Planalto não vai desautorizar Genro. O ministro anunciou sua posição sobre o caso a Lula na segunda-feira e recebeu sinal verde. Na avaliação de Genro, o italiano, que nega o envolvimento em assassinatos, pode não ter tido o direito a ampla defesa, já que foi condenado à revelia (sem estar presente ao julgamento) depois que seu ex-companheiro Pietro Mutti, beneficiado pelo sistema de delação premiada, o acusou de ter cometido os quatro crimes. Segundo Genro, também há indícios de que o advogado que defendeu Battisti na Itália tenha se utilizado de uma procuração falsificada.

A decisão do governo brasileiro altera parecer do Comitê Nacional para os Refugiados (que em novembro rejeitou o pedido) e suspende o processo de extradição para a Itália.

Quem são a favor do terrorista

Lula

No evento de inauguração da estrada Bolívia-Chile com o presidente boliviano Evo Morales, o presidente Lula disse ontem que a decisão de dar status de refugiado político ao ex-extremista de esquerda italiano, é "soberana". Sobre os protestos do governo da Itália, Lula afirmou que "a Itália pode até não gostar, mas vai ter de aceitar".

Lula, que dera sinal verde para Genro seguir sua convicção, garante: O ministro "cumpriu com sua obrigação". Lembrou que o Brasil é "um país generoso", tanto que, na sua História, há "muitos exemplos de pessoas que aqui chegaram exiladas e aqui viveram a sua vida".

Eduardo Suplicy

O senador Eduardo Suplicy (PT) declarou ontem ao jornal italiano Corriere della Sera, que a decisão do governo brasileiro de conceder asilo político ao italiano pode ter tido influência do presidente da França, Nicolas Sarkozy. O presidente francês conversou sobre o caso com o presidente Lula durante a viagem ao Brasil em dezembro do ano passado. Ele disse que defende a decisão do ministro que a decisão foi "acertada" e "soberana".

Sarkozy e a primeira-dama Carla Bruni estiveram em férias na Bahia. Bruni é amiga da escritora francesa Fred Vargas, amiga pessoal de Battisti. Além disso, Suplicy colocou-se à disposição dos partidos e do parlamento italiano para esclarecer a decisão de conceder asilo político a Battisti. "Quem diz que a decisão foi precipitada não leu a decisão do ministro", diz Suplicy, fazendo referência a Tarso Genro.

"Os fundamentos do ministro estão bem argumentados", defendeu Suplicy. O senador considera a decisão de "bom senso" e "ponderada". O senador negou que a decisão do governo brasileiro seja uma hostilidade a Itália. O italiano estaria com hepatite B, segundo Suplicy.

José Dirceu

Em seu blog hoje, o ex-ministro da Casa Civil e deputado casado pelo Mensalão, José Dirceu defendeu a decisão do Brasil de conceder refúgio político ao italiano.

"Precisa ser apoiada e sustentada perante a opinião pública brasileira e internacional a decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, de dar asilo político ao escritor Cesare Battisti", diz ele no post publicado hoje no blog.

Para Dirceu, o Brasil apenas cumpriu a lei. "Em nosso país, como sabemos, é proibido pela Constituição a extradição de refugiado estrangeiro por crime político ou de opinião. Antes do de Battisti, o Supremo Tribunal Federal já negou três importantes pedidos de extradição à Itália contra os ex-ativistas de extrema esquerda Achille Lollo, Luciano Pessina e Pietro Mancini."

Dirceu diz ainda que as críticas aos políticos e a imprensa à decisão reforçam a tese de crime político. “A própria reação dos senadores da oposição brasileira, na medida em que utilizam argumentação totalmente política para condenar a negativa de extradição reforçam a tese de crime político nessa história relacionada a Battisti”.

Quem são contra o terrorista

Amorim

O ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, criticou a concessão, sob alegação que Battisti “não correspondeu” os “requisitos básicos” para se “manter no Brasil”, ao comentar a medida, tomada pelo ministro Tarso Genro: “Ele tomou a decisão e eu tenho de respeitar”, mas atribuiu ao poder "parajudicial" do ministro da Justiça, garantido em lei, a decisão do governo brasileiro de conceder refúgio ao italiano.

De acordo com Amorim, a posição do Itamaraty foi exposta durante reunião do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare). Durante a reunião, tanto assessores do Itamaraty, quando o Procurador-Geral da República, Antonio Fernando de Souza, deram pareceres favoráveis à extradição de Battisti à Itália.

Antonio Fernando de Souza

O Procurador-Geral da República, Antonio Fernando de Souza, negou por duas vezes o pedido de asilo e deu pareceres favoráveis à extradição de Battisti à Itália. Porém, de acordo com a lei, era possível recorrer à decisão junto ao ministro da Justiça. Ele criticou a decisão por contrariar os pareceres que ele mesmo enviou.

José Serra

Após um evento que reuniu cerca de 400 prefeitos paulistas e que foi classificado por ele mesmo como "um balanço da gestão", o governador de São Paulo e forte candidato à presidência em 2010, José Serra (PSDB), disse ontem não concordar com a concessão pelo governo brasileiro de refúgio a Cesare Battisti. "Eu não conheço detalhes. Em princípio, não estou de acordo, pelos antecedentes que vi na imprensa. Não olhei os processos, mas me parece um exagero o asilo dado", afirmou o governador, que foi exilado político na Bolívia, Uruguai e Chile durante os anos 60 e 70, por conta da ditadura militar no Brasil (1964-1985).

Garibaldi Alves

O presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), apesar pertencer ao partido que apóia Lula, criticou duramente a decisão.

Para Garibaldi, a decisão foi precipitada. "Me parece uma atitude precipitada, uma vez que havia pareceres contrários. É também arriscada levando-se em consideração as possíveis conseqüências”.

Reação na Itália

Governo da Itália

O governo da Itália reagiu de imediato, no mesmo dia, se disse surpreso e desapontado com a decisão tomada de conceder o status de refugiado a Cesare Battisti, "um terrorista responsável por crimes extremamente graves e que não tem nenhuma semelhança com um refugiado político". A afirmação foi feita em nota, divulgada na página do Ministério das Relações Exteriores italiano. No comunicado, o governo italiano informa que fez um apelo ao presidente Lula para que a decisão fosse revista.

A Itália também mostrou satisfação com a decisão de novembro do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), órgão ligado ao Ministério da Justiça, de negar o pedido de refúgio de Battisti. "Isso é o mais importante num momento no qual os países do G8 e todos aqueles que, como o Brasil, estão colaborando intensamente com eles, estão sendo chamados a confirmar o seu comprometimento solene em promover medidas crescentes e efetivas no combate ao terrorismo internacional", conclui a nota. Em Brasília, a Embaixada da Itália disse que não vai comentar o assunto.

Em comunicado oficial divulgado na quarta-feira dia 14, o Ministério de Assuntos Estrangeiros da Itália (Farnesina) fez uma ameaça velada à presença do Brasil na próxima reunião de cúpula do G8 (os sete países do mundo e a Rússia), que vai ocorrerá entre 8 a 10 de julho deste ano, na Sardenha. Ao expressar “surpresa” e “pesar” com a decisão, o governo italiano informou que apelará diretamente ao presidente Lula.

O primeiro-ministro italiano, Sílvio Belusconi divulgou nota em que repudia a medida de concessão.

Para o ministro da Defesa, Ignazio La Russa, a medida põe “em risco a amizade” entre os países.

O ministro das Relações Exteriores da Itália, Franco Frattini, também se manifestou hoje contra a decisão brasileira de conceder refúgio político, afirmando que o caso "põe uma grave ferida na colaboração entre Itália e Brasil".

Boicote

O vice-prefeito da cidade de Milão, Riccardo De Corato, da coalizão governista Povo da Liberdade (PDL), propôs ontem o boicote aos produtos brasileiros como forma de pressionar o Brasil a reconsiderar a decisão de conceder asilo político ao ex-ativista de extrema-esquerda Cesare Battisti.

"Boicotemos o Brasil para protestar contra a não extradição de Cesare Battisti, homicida e terrorista vermelho condenado à prisão perpétua. Boicotemos, portanto, os produtos provenientes do Brasil para contestar a decisão de conceder a um criminoso o status de refugiado político. Para que ouçam o nosso forte desapontamento contra uma injustiça que fere Milão. Espero que o governo tome nas próximas horas uma atitude em relação à decisão [do governo brasileiro]. Caso contrário, a Itália será obrigada a usar como medida extrema o boicote dos produtos do Brasil", reiterou o político. Na mesma linha, a prefeitura da capital italiana também demonstrou seu desapontamento pela decisão Tarso Genro. Na quarta-feira dia 14, o prefeito de Roma, Gianni Alemanno, enviou uma carta ao presidente Lula pedindo a revisão da decisão do governo brasileiro. O ex-ativista de extrema-esquerda Cesare Battisti, de 54 anos de idade, foi condenado em 1993 na Itália à prisão perpétua por quatro assassinatos que teriam sido cometidos na década de 70 enquanto militava no Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), grupo ligado às Brigadas Vermelhas.

Na última terça-feira, o ministro da Justiça brasileiro decidiu pelo status de refugiado político, o que garante que Battisti deixe a prisão de Papuda, em Brasília, onde se encontra, e possa trabalhar e morar no Brasil. O ministro brasileiro argumenta que a decisão foi baseada na "existência fundada de um temor de perseguição" contra Battisti, que alega inocência.

G8

Após a expressa o comunicado oficial da Farnesina, a reação italiana atingiu em cheio a pretensão do presidente Lula de manter e aprofundar sua presença nos debates dos principais foros de governança mundial. Presidente do G8 neste ano, a Itália salientou que os países desse grupo e seus colaboradores, como o Brasil, "serão chamados a confirmar seu compromisso formal e a promover ações cada vez mais eficazes no combate ao terrorismo internacional".

A mensagem foi lida, no Itamaraty, como uma advertência de que Lula pode ser eliminado da lista de líderes chamados ao encontro anual de cúpula, entre os próximos dias 8 e 10 de julho. Mesmo que venha a ser convidado, tenderia a passar por uma constrangedora cobrança do governo italiano, caso o refúgio seja mantido.

Nos últimos anos, o presidente Lula esteve presente a essas reuniões, como membro do G5 (África do Sul, Brasil, China, Índia, México), e vem trabalhando pela incorporação definitiva desse agrupamento emergente ao G8 sob o argumento que daria maior consistência e legitimidade a esse mecanismo. A França o apóia.

Acusação ao Lula e Sarkozy

A associação italiana Domus Civitas, que representa as vítimas da máfia e do terrorismo na Itália, pediu ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a seu colega francês, Nicolas Sarkozy, que extraditem "os terroristas que desfrutam de proteção" no Brasil e na França.

"Imploramos que os senhores concedam a extradição aos terroristas que desfrutam de proteção em seus respectivos países; do contrário, a bela imagem da qual gozam os senhores hoje poderá se ofuscar por terem protegido a assassinos. Nós os respeitamos, mas também os senhores respeitem as vítimas do terrorismo do nosso país e a Justiça italiana", prossegue o documento. "O sangue dos nossos compatriotas não pode ser submetido a esse insulto, nós continuaremos nesta batalha até que seja respeitada a nossa Justiça", afirma Bruno Berardi, presidente do grupo, em carta aberta aos dois presidentes.

Domus Civitas anunciou que vai realizar protesto contra a concessão na frente da Embaixada do Brasil em Roma.

Interferência

França

O governo da França desmentiu ontem informações de Eduardo Suplicy ao jornal italiano Corriere della Sera que Nicolas Sarkozy e a Carla Bruni tenham realizado qualquer interferência mediante as autoridades brasileiras a favor da concessão do status de refugiado político ao Battisti.

"O Eliseu desmente qualquer intervenção sobre a iniciativa tomada pelo governo brasileiro a respeito de Battisti", afirmou o porta-voz Pierre-Jérôme Henin.

A presidência francesa reiterou que não interferiu no caso "a despeito daquilo que afirma o advogado Turcon", acrescenta Henin. Eric Turcon, advogado de Battisti, teria relatado uma intervenção de Sarkozy a favor do ex-ativista.

Itália

O ministro da Defesa da Itália, Ignazio La Russa, afirmou hoje que a responsabilidade pela concessão do refúgio político ao Battisti é do Brasil, negando assim a influência do presidente francês, Nicolas Sarkozy, na decisão.

"Os boatos são consequentes da intervenção anterior a favor de uma outra terrorista. A interessada era a esposa do presidente (Carla Bruni), mas não há outros elementos sobre o tema e, por isso, acredito que a responsabilidade é do Brasil", disse o ministro ao comentar as notícias de que o governo francês havia intercedido junto ao Brasil a pedido de Fred Vargas, amiga de Battisti e da primeira-dama da França, Carla Bruni.

Defesa de Battisti

O ex-deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores, o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, que defende o italiano Cesare Battisti, pediu ontem, oficialmente ao Supremo Tribunal Federal (STF) que determine a soltura de seu cliente. O pedido deverá ser analisado nos próximos dias pelo presidente do STF, Gilmar Mendes, que até hoje estará em São Paulo tratando de assuntos particulares, mas continuará a despachar os pedidos urgentes.

No documento, Greenhalgh fez um pedido alternativo. No caso de Mendes não soltar Battisti, a defesa pede que o italiano seja transferido da Penitenciária da Papuda, no Distrito Federal, para prisão domiciliar, de acordo com informações da assessoria de Greenhalgh. Nesse caso, o pedido de libertação deveria ser posteriormente analisado pelo plenário do STF, que volta a se reunir em fevereiro.

Battisti informou aos advogados que recebeu com "alívio" a decisão do ministro Tarso Genro e disse que retomará sua carreira de escritor e "obedecer exemplarmente" seus deveres de refugiado político. Entre esses deveres, está o de não se imiscuir em assuntos internos do Brasil e da Itália.

O ex-extremista se disse disposto, se necessário, a viver "o resto da vida no Brasil", onde afirma ter construído "sólidas amizades" desde que se radicou no País, em 2004, clandestinamente. Vários quilos mais magro (sofre de hepatite B), ele conversou mais de uma hora com os advogados Luiz Eduardo Greenhalgh, Suzana Figuerêdo e Fábio Antinoro, no Presídio da Papuda, onde foi recolhido em março de 2007.

Pela lei, Battisti terá, ainda, de ter ocupação lícita, residir em endereço fixo e ir à Polícia Federal periodicamente para prestar contas de sua condição. Ou seja, viverá sob liberdade vigiada.

Fuga de Battisti

Nos anos 70, Battisti atuou no grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), ligado às Brigadas Vermelhas. Entre 1977 a 1979, foi acusado de promover quatro assassinatos. Em 1980, foi preso, mas fugiu meses depois antes do julgamento. Em 1981, foi pra França, favorecido por uma política do então presidente François Mitterrand, morto em 1996 que acolheu extremistas de esquerda que se comprometeram a abandonar a luta armada.

Em 1993, foi condenado na Itália à prisão perpétua por quatro assassinatos. Com a eliminação desse benefício pelo sucessor de Mitterrand, Jacques Chirac, em 1995, Battisti fugiu da França, se refugiando em vários países. Ele chegou ao Brasil em 2004, mas foi preso no Rio de janeiro em 2007, ele enfrentava processo de extradição no Supremo Tribunal Federal (STF). Com o status de refugiado, pode ser solto ainda hoje.

Fontes