12 de outubro de 2024

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Estudo do Laboratório de Evolução e Biologia Integrativa, do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, em parceria com universidades do Brasil, Alemanha e Estados Unidos, mostra que ancestral dos atuais répteis possuía capacidade auditiva refinada, devido à presença de uma membrana timpânica (tímpano), há mais de 200 milhões de anos.

Segundo Mario Bronzati, paleontólogo e responsável pelo estudo, o ouvido timpânico é caracterizado pela presença de uma membrana (tímpano) que se movimenta quando em contato com ondas sonoras e está presente em todas as linhagens de animais que fizeram a transição da água para a terra, incluindo anfíbios, répteis e mamíferos. No entanto, estudos demonstraram que o ouvido timpânico evoluiu de maneira independente em alguns animais terrestres. Como exemplo, Bronzati lembra que a formação da membrana timpânica envolveu genes diferentes nos mamíferos e nas aves.

A pesquisa, inédita, analisa de maneira detalhada a origem e evolução do ouvido timpânico na linhagem dos répteis, grupo hoje representado por aves, jacarés, crocodilos, cobras, lagartos e tartarugas que, de acordo com os pesquisadores, possui um registro fóssil muito rico, incluindo o dos famosos dinossauros. Os achados evidenciam que a evolução do ouvido timpânico nos vertebrados está relacionada com a conquista do ambiente terrestre, uma vez que tiveram que enfrentar desafios como respirar, manter-se em equilíbrio, se locomover e perceber o ambiente ao redor.

Bronzati, que fez pós-doutorado no Departamento de Biologia da FFCLRP e atualmente está na Universidade de Tübingen, Alemanha, conta que os ancestrais dos animais terrestres eram aquáticos e tinham sistema sensorial preparado para funcionar dentro da água. Mas, “quando essas espécies passaram a ocupar o ambiente terrestre, precisaram de um sistema auditivo que captasse melhor o modo como as ondas sonoras se propagam no ar”.

Nos répteis e aves, a membrana timpânica surge durante a formação do embrião, quando ocorre a expansão de uma estrutura chamada bolsa faríngea. “Essa bolsa vai se expandindo e formando uma cavidade, a tuba auditiva, que conecta a faringe com o ouvido”, conta o pesquisador, informando que essa expansão da bolsa faríngea “vai ser preenchida de ar nos animais e, quando ela chega ao limite lateral, as células do tecido interno do embrião se encontram com as células do tecido externo e formam a membrana timpânica”.

Quanto à função da membrana, Bronzati explica que parte da detecção do som é realizada por células que ficam dentro de um líquido localizado no ouvido interno. Quando a onda sonora é propagada pelo ar, “ela atinge a membrana timpânica, que ajuda a diminuir a diferença que existe na propagação dessa onda, até que ela chegue ao líquido que está dentro do nosso ouvido interno”.

A membrana timpânica, conhecida como tímpano, “é um tecido bem fino, composto de poucas camadas de células, o que dá a ela um aspecto transparente”. Para exemplificar a transparência da membrana, o pesquisador lembra que os médicos conseguem observar através dela quando uma pessoa tem dor de ouvido. Quanto à presença da membrana nos animais, Bronzati diz que tem um aspecto bem similar ao humano, “porque ela também é uma camada bem fina de células transparentes”.

Nos atuais animais, é possível observar a membrana timpânica nos lagartos, como o teiú, e nas aves; “fica localizada na parte de trás e lateral da cabeça, em uma porção mais externa que chamamos de trompa de Eustáquio, também conhecida como tuba faringotimpânica, que liga o ouvido até a faringe dos animais”, acrescenta Bronzati.

Pioneira no Brasil, a pesquisa envolveu conhecimento e técnicas de duas áreas distintas da biologia – a paleontologia e a biologia do desenvolvimento. Como fornecem informações complementares sobre a evolução do ouvido timpânico em répteis, “a abordagem integrativa conseguiu responder uma antiga questão da biologia evolutiva: quantas vezes o ouvido timpânico surgiu nos répteis”, afirma a professora Tiana Kohlsdorf, coordenadora do Laboratório de Evolução e Biologia Integrativa da FFCLRP.

As comparações das imagens com as análises moleculares mostram que o ouvido timpânico se desenvolve de maneira bastante similar nos animais estudados. Nos lagartos e jacarés, a membrana se forma na mesma posição da cabeça dos embriões que a das aves, “que é diferente da posição em mamíferos”, diz a professora.

Através de análises moleculares e técnicas de microtomografia computadorizada, os cientistas puderam analisar o desenvolvimento do ouvido timpânico em embriões de duas espécies brasileiras, o lagarto Tropidurus e o jacaré Caiman. As microtomografias, realizadas no Centro para Documentação da Biodiversidade da FFCLRP, possibilitaram a criação de modelos virtuais 3D do ouvido timpânico dos embriões.

As análises dos fósseis dos répteis se deram através de comparações com os animais atuais. “Por ser muito fina, a membrana timpânica raramente fossiliza. Entretanto, estudando animais atuais, nós pudemos detectar marcas que ela deixa no lugar em que ela se conecta com os ossos da cabeça, além de entender as modificações no crânio para que um ouvido do tipo timpânico se forme”, diz Tiana.

Assim, os pesquisadores concluíram que a membrana timpânica estava presente nos mais antigos parentes extintos de lagartos, jacarés, aves e tartarugas. “Diferente do que os estudos mais recentes diziam, nós demonstramos que os primeiros animais das linhagens dos répteis atuais também possuíam ouvido timpânico”, garante a professora, acrescentando que a presença desta estrutura certamente foi crucial para a sobrevivência destes primeiros répteis, já que uma audição mais refinada ajuda o animal a capturar presas, escapar de predadores e se comunicar com outros indivíduos do grupo.

Os primeiros animais das linhagens dos répteis atuais viveram há cerca de 230-300 milhões de anos, um período marcado por eventos de extinção em massa na Terra. Dessa forma, “ter uma estrutura como o ouvido timpânico, que ajuda o animal a melhor perceber o ambiente ao seu redor, trouxe provavelmente uma vantagem para a sobrevivência dessas linhagens. Os parentes mais próximos desses animais que não possuíam ouvido timpânico foram todos extintos nesse período”, diz Bronzati.

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