17 de junho de 2016

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Por Ana Paula Ribeiro, Caroline Oliveira, Giselle Porto, Marina Felix, Téo França e Veronica Maluf


As questões jurídicas que envolvem a constitucionalidade da antecipação das eleições gerais se colocam aos olhos da sociedade civil, e até da sociedade política, sob uma ótica, por vezes, nebulosa. Com a crise política e econômica no país, essa questão surge com ênfase nos debates sobre quais seriam as possíveis saídas para atravessar o desemprego, a baixa confiança internacional e os arredores da crise. Há quem sustente o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o qual está sendo julgado pelo Senado Federal. Outros defendem a legitimidade do governo eleito, excluindo qualquer possibilidade de crimes de responsabilidade fiscal. Para além dessas duas alternativas, quando se trata de novas eleições a grande questão é a constitucionalidade.


Aqueles que são contrários à antecipação das eleições gerais dizem que não há embasamento constitucional para isso, uma vez que, ao convocar novas eleições, a periodicidade do mandato do governo eleito, prevista na Constituição, seria desrespeitada. Além disso, tal decisão acabaria, segundo eles, por invalidar e usurpar a vontade popular, violando o princípio democrático. Na contramão deste argumento, os favoráveis às novas eleições defendem a proposta dizendo que não há empecilhos, pois a decisão de voto seria devolvida ao povo, o qual retornaria às urnas, principalmente caso houvesse um plebiscito popular.


Mesmo no meio jurídico, é possível destacar divergências de opiniões e diferentes formas de interpretação e análise da Constituição. Para Thomaz Pereira, professor da FGV Direito do Rio e mestre em direito pela Universidade Yale, a antecipação das eleições gerais "não viola a soberania popular. Emendas que aumentassem o mandato de um presidente ou que determinassem a sua substituição por eleição indireta violariam esse princípio. Não é o caso. O que se propõe são novas eleições diretas." Já para Ivar Hartmann, professor da FGV Direito Rio e doutorando em direito constitucional na UERJ, "a proposta de novas eleições é por natureza suspeita porque constitui uma alteração pontual, excepcional. Apenas Dilma teria acesso a essa "saída honrada". (...) Há uma expressa proibição de realizar emendas durante estado de defesa ou de sítio. Alterar regras essenciais do jogo político durante uma gravíssima crise política também é suspeito e exige como fundamento alguma necessidade especial." Com base nos artigos de opinião publicados na Folha de S.Paulo, em 9 de abril de 2016, de Thomaz Pereira, a favor da constitucionalidade das eleições gerais antecipadas e de Ivar Hartmann, contra, convidamos cientistas políticos e especialistas em Direito Constitucional para elucidar esse debate.


Para o professor de Filosofia do Direito, Ciência Política e Introdução ao Estudo do Direito, Silvio de Luiz de Almeida, há a possibilidade técnico-jurídica para convocar novas eleições se a emenda à Constituição for precedida de um plebiscito. Porém o problema maior para o professor se encontra nos jogos políticos e, as influências dentro das quais, estão inseridos. Segundo Almeida, “as maiores ameaças à democracia sempre revestem-se de forma jurídica”, assim como aconteceu com o nazismo, a escravidão e a ditadura militar, e podem ameaçar o Estado Democrático de Direito sobre uma legitimidade manufaturada segundo interesses individuais. Por isso, torna-se ainda mais nebuloso se levarmos que novas eleições podem ser instrumentalizadas para benefícios próprios. "A Constituição não é clara sobre essa possibilidade [de uma emenda constitucional legal para novos representantes] nos artigos em que trata disso [artigos 73 e 87]. Diante do impasse, novas eleições talvez pudessem fornecer mínimas condições de legitimidade para um governo, além de forçar um debate público sobre as medidas socioeconômicas de combate à crise", salienta Almeida.


Jonathan Marcantônio, professor da USP e especialista em direito constitucional, também corrobora com essa ideia ao dar ênfase à maneira como o Congresso Nacional está estruturado, “de maneira perversa”, sendo este o nosso “grande problema político” (ouça aqui a entrevista na íntegra). Se a convocação de novas eleições gerais gera polêmicas acerca de sua constitucionalidade, o âmbito político em que ela se daria, caso fosse de fato realizada, geraria ainda mais. Porém, para além das influências da classe política, Marcantônio prevê que a antecipação das eleições não fere nenhuma das cláusulas pétreas da Constituição, tal como por exemplo a soberania popular. Mas a questão central está na política, em que se encontra o cerne das posições em jogo.


Os opositores do impeachment argumentam que a falta do crime de responsabilidade exigido pela Constituição Federal para a deposição da presidente sugere golpe. Segundo Leonardo de Aguiar Silveira, mestre em Direito Penal, "Estão tirando a Dilma do governo porque acham ela uma má governante, mas no Brasil não existe mecanismo constitucional para afastar o presidente por esse motivo". Silvio Luiz de Almeida concorda, "do ponto de vista político, o impeachment é algo traumático, terrível. Não pode ser banalizado como instrumento de disputa entre facções". No entanto, quando se trata da questão da antecipação, Jonathan Marcantônio traz a tona a instrumentalização dos votos e o fato de que Dilma e Temer (presidente interino com o impeachment da presidente afastada), não se apresentam como opções politicamente viáveis. Mesmo Temer tendo assumido, existe um debate de sua viabilidade a longo prazo. Com isso, a ideia de clamar por novas eleições ganha força.


Os fatos políticos são implacáveis por não serem estáticos. A cada semana acontece algo, um ministro é demitido, deflagra-se novas operações de investigação acerca de políticos e afins. O cenário político atual está em uma dinâmica que, por vezes, não permite análises futuras. Prever com certezas o que poderá acontecer caso haja a convocação das eleições gerais, agora ou futuramente, abre espaço para postulações incertas. O que se pode dizer é que novas eleições são colocadas como, assim como Marcantônio aponta, uma terceira via ao que está posto com o atual presidente interino Michel Temer.

Fontes