15 de junho de 2016

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Um dos Projetos de Lei em pauta no Congresso Nacional diz respeito à mudança na forma como a Petrobras atua na produção do pré-sal. O Projeto em questão é o 131/2015, criado pelo ex-senador e atual Ministro das Relações Exteriores José Serra (PSDB-SP), e que sugere que a Petrobras não seja a única operadora nos campos do pré-sal.

O modelo em vigor é o de Partilha, instituído em 2010 pela Lei 12.351/2010, que coloca a empresa como a única operadora e com a responsabilidade de ter no mínimo 30% de participação em todos os campos explorados.

Esse assunto volta à tona em meio às investigações da Operação Lava-Jato e reviravoltas no sistema político brasileiro, que culminaram no impeachment da presidente eleita Dilma Rousseff. Caso aprovado, o PL pode mudar a maneira como a Petrobras está posicionada no mercado petrolífero mundial.

Como funciona hoje

Em 1997 foi sancionada a Lei do Petróleo (Lei nº 9.478/1997) pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Ela extinguia o monopólio estatal do petróleo, incluindo atividades de exploração, produção, refino e transporte da substância no Brasil, permitindo que outras empresas possam atuar em quaisquer dessas atividades. Foi instaurado, portanto, o modelo de Concessão para a cadeia do petróleo.

A primeira mudança na lei implantada aconteceu no governo Lula, em 2010, quando passou a ser substituída pela já mencionada 12.351/2010, que também regulamentou o pré-sal. Com ela, passou a ser vigente o Modelo de Partilha à camada pré-sal, que garante maior participação e controle do Estado nas atividades petrolíferas. “Em 2010 foi apresentado um conjunto de mudanças que tinham como objetivo garantir o máximo do aproveitamento das riquezas do pré-sal para o projeto de desenvolvimento do Brasil. As alterações no Marco Regulatório dizem respeito basicamente às áreas do pré-sal, e não a exploração em outras áreas. Nelas, permanecem as regras anteriores”, explicou o Professor Doutor Giorgio Romano, da UFABC. Ele também reforça que o pré-sal tem autonomia comercial em relação aos demais negócios petrolíferos.

Portanto, além de ampliar a sua atuação nos setores administrativos e nas negociações – assim como em toda a cadeia produtiva -, neste regime o petróleo extraído é propriedade do Estado, que poderá comercializá-lo, diferente do que acontece no de Concessão. A empresa produtora fica com uma parte do total, que é estipulada previamente no contrato, assim sendo, a produção é partilhada entre o Estado e a empresa.

“A base do Marco Regulatório de 2010 é mostrar que a Petrobras não pode ser vista como um uma empresa qualquer, ela é um gigante e deve ser vista como um instrumento da política industrial e tecnológica do país”, disse Giorgio.

Ainda segundo o especialista, o Modelo de Partilha impõe que a empresa pode participar sozinha dos investimentos, totalizando 100%, ou entrar com consórcios com outras empresas, que podem participar desde que a Petrobras mantenha o mínimo de 30% nos investimentos. De qualquer forma, ela continua sendo a única operadora do pré-sal. “Ser operadora significa ser a empresa do consórcio que decide sobre os investimentos, o ritmo da exploração. Portanto, é a ideia de que a Petrobras esteja sempre presente e controlando as decisões estratégicas”, disse.

Petrobras “não tem a capacidade necessária”

Em março de 2016, Serra escreveu um artigo de opinião na sessão “Tendências e Debates”, do jornal Folha de S. Paulo, sobre a possível alteração do marco regulatório do pré-sal, explicando que o incentivo à iniciativa privada aumentaria a geração de empregos, a arrecadação de impostos, os royalties e, consequentemente, os investimentos destinados à educação. Além disso, a quebra do monopólio seria capaz de fortalecer a empresa e de extinguir os encargos com os quais ela não consegue mais lidar.

O Projeto de Lei, portanto, não tem como objetivo tirar a preferência da Petrobras nas explorações, mas sim anular a obrigatoriedade da empresa em ser a operadora única. O Ministro também argumenta que, ao permitir que outras empresas explorem o pré-sal, a Petrobras ficaria livre de encargos que não suporta – os 30% dos investimentos no pré-sal – o que é importante, tendo em vista que a dívida bruta já ultrapassa os R$ 500 bilhões.

Um levantamento realizado pela consultoria Economatica (1), ao portal da BBC, apontou que, em 2014, a empresa teve o maior prejuízo dos últimos cinco anos, de US$ 8,1 bilhões. Isso a colocou como a petrolífera com o maior prejuízo da América Latina. Além disso, também foi apontado que mais de US$ 2 bilhões em perdas, desse total, têm como motivo os esquemas de corrupção e desvio de dinheiro da empresa, investigados pela Operação Lava Jato.

O balanço do último trimestre de 2015 da Petrobras (2) aponta que a dívida teve um aumento de 5,6% para 6,3%, aumentando o prazo médio da dívida de 6,1 para 7,1 anos.

Rafael Schiozer, professor da Faculdade Getúlio Vargas, ex-consultor da Petrobras e mestre em Ciências e Engenharia do Petróleo, concorda que o regime de Partilha não é o mais apropriado para o pré-sal, tal como o de Concessão na cadeia do petróleo. “Basicamente, o que houve é que os olhos cresceram. O discurso foi aquele de que o “Petróleo é nosso”, de 1950”, disse o especialista. “Ficou claro que a Petrobras não tinha capacidade econômica para explorar todo o pré-sal e, para completar, veio esse escândalo de corrupção da Lava Jato. A Petrobras é uma empresa muito endividada e já teria muita dificuldade em sair dessa dívida. E agora com esse escândalo, ficou muito mais difícil”, completou.

O geólogo Flávio Hegenberg, PhD pela University of Leeds, na Inglaterra, também concorda com os argumentos. Ele afirma que, hoje, a Petrobras não possui mais capacidade tecnológica e nem econômica para ser a única operadora do pré-sal. “Precisamos de mais iniciativa privada, de mais atuação no mercado de capitais. Como consequência positiva disso, possivelmente teremos maior participação do capital internacional na exploração do pré-sal, o que tende a valorizar as ações das empresas”, disse.

... mas ela ainda deve ser a única operadora

Contrário ao artigo de opinião de José Serra, José Sérgio Gabrielli de Azevedo, ex-presidente da Petrobras, publicou também na Folha de S. Paulo, em março, um artigo com a sua visão do assunto, explicando porque a Petrobras deve continuar como a única operadora. Ele afirma que a inclusão de novas empresas na exploração do pré-sal não é necessária em curto prazo, pois a Petrobras possui 14,6 anos de produção garantida com as reservas atuais.

A produção da empresa também é viável, já que apresenta infraestrutura otimizada, produtividade nos poços e rapidez na perfuração – e já ultrapassou, inclusive, a marca de um milhão de barris por dia no pré-sal. A indústria do pré-sal também não tem capacidade de ser fornecedora, o que inviabiliza o incentivo à sua produção. Além disso, ter novos players faria com que a produção excedente fosse destinada apenas às exportações.

No ano passado, a Petrobras atingiu a maior média de produção anual de pré-sal na história (3), de 767 mil barris por dia, número que tem um aumento de 56% em relação à produção de 2014. Também em 2014, a Petrobras atingiu índice operacional de 95,2%, segundo dados oficiais do governo (4). Esse fora o quinto aumento consecutivo do índice.

Os engenheiros da Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), em publicação de maio de 2015 (5), afirmam, entre inúmeros outros motivos, que a Petrobras deve continuar sendo a única operadora do pré-sal, pois isso seria fundamental para garantir o desenvolvimento tecnológico da empresa e as “vantagens comparativas”. O fato de não existirem riscos mínimos e a alta produtividade dos campos também são alguns dos motivos.

Mesmo concordando que o modelo atual ainda não é o melhor para o pré-sal, o ex-consultor da Petrobras Schiozer afirma que o Projeto de Lei não apresenta uma mudança muito clara. “Se essa mudança estabelece um modelo de Partilha que permite mais competição, talvez ele seja até economicamente parecido ao de Concessão. Como os recursos vão para o governo, faz pouca diferença se ele é proveniente de royalty ou partilha”, disse. Além disso, o especialista afirma que, caso a mudança seja feita, o governo teria de ser ressarcido. “É um recurso natural que pertence à nação, então o Estado precisa ser recompensado”, disse, levando em conta que empresas estrangeiras passariam a lucrar em cima do pré-sal.

Qual seria a melhor solução?

Com os avanços da investigação Operação Lava-Jato, as discussões sobre a Petrobras ganharam espaço renovado. Se por um lado o cunho político que as envolve é prejudicador, o momento é propício para trazer o debate sobre a operação do pré-sal de volta à mesa. Os artigos de Serra e Gabrielli são bons pontos de partida, com a exposição das fraquezas e das conquistas da empresa de forma clara, o que ajuda a pensar também nas nuances envolvidas à questão.

O Professor Giorgio Romano concorda que o Governo se encontra em um impasse devido à junção de todos os fatores expostos acima e afirma que ele ainda “não conseguiu criar um projeto para solucioná-lo”. Segundo o especialista, o problema da dívida – um dos pretextos usados por Serra ao propor a mudança no Marco Regulatório – pode ser resolvido com o empréstimo de uma parte dos 400 bilhões de dólares que o Brasil mantém em reservas internacionais e que são “aplicados em títulos de governo nos Estados Unidos a juros próximos à zero”.

Quanto à longevidade do problema, Romano diverge do argumento exposto por Schiozer ao dizer que a solução encontra-se em curto prazo, enquanto o impacto seria em longo prazo. “Não se pode perder a possibilidade de aproveitar as riquezas do pré-sal para se construir um novo ciclo de expansão industrial e tecnológica”, acrescentou.

No texto de Liliana Lavoratti, “Marco regulatório: debate salgado” [6], de 2010, a jornalista cita a carência de propostas alternativas que não canalizem o debate para a distribuição dos royalties e sim tragam explicações concretas do por que adotar o regime de Concessão para o pré-sal. Schiozer também apresenta esta discussão: “Precisa-se rediscutir qual é o tamanho desse benefício, porque ficou razoavelmente claro que com o petróleo a 100, o Estado era pouco recompensado. Talvez, seja melhor apostar em um mecanismo que leve em conta o preço na determinação do royalty”.

Na mesma publicação, Ildo Sauer, ex-diretor de Gás e Energia da Petrobras (2003-2007), destaca que os projetos de lei encaminhados após o descobrimento da camada do pré-sal “visam à defesa dos interesses de grupos econômicos”, tanto daqueles que defendem a monopolização como daqueles que são contra a Petrobras ser a única operadora deste petróleo.


Autores: Alana Claro, Bárbara Cássia Martins, Felipe Cassiaro, Júlia Miozzo, Juliana Ferreira, Paulo Higa


Referências: