11 de junho de 2021

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Jornal da USP

À espera de uma possível terceira onda, o Brasil vacina em ritmo lento. A indisponibilidade de insumos para fabricação dos imunizantes e a falta de estratégias em nível governamental para garantir o comparecimento dos cidadãos aos postos de saúde se refletem em números. Até o dia 10 de junho, quando finalizamos esta reportagem, cerca de 480 mil pessoas haviam perdido a vida para a covid-19, e os casos confirmados passavam de 17 milhões, segundo dados do Ministério da Saúde. Por outro lado, 51.846.929 de pessoas haviam recebido a primeira dose — o equivalente a 24,48% da população brasileira, e menos da metade (23.418.325) garantiram a segunda.

Nas últimas semanas, a aplicação do imunizante foi feita em menor velocidade, segundo painel do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP. Mesmo com essa demora na fila, ainda há pessoas que deixam de se vacinar por terem preferência entre as três vacinas disponibilizadas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI), do Ministério da Saúde.

Entretanto, pesquisadores apontam que comparar as taxas de eficácia de cada imunizante não faz sentido, devido aos contextos particulares de obtenção desses dados. O mais racional, portanto, é apoiar-se nos resultados coletivos de uma vacinação em massa, que são positivos no caso dos três imunizantes aplicados. Efeitos colaterais também não devem ser levados em conta — salvo contra indicações, pois reações graves são raríssimas e variáveis em cada indivíduo.

A “queridinha” da vez é a vacina produzida pela Pfizer/BioNTech e as razões vão desde os efeitos colaterais mais comuns reportados por quem tomou a vacina de Oxford/Astrazeneca até o receio quanto à efetividade da Coronavac em reduzir número de casos e hospitalizações. Porém, de acordo com Jorge Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas (Incor) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), na qual atua como e professor de Imunologia Clínica e Alergia, o cenário atual de vacinação no País não permite que a população eleja um imunizante de preferência: “Nós temos que tomar a vacina que está disponível”, garante Kalil. “A eficácia só é importante em nível individual quando uma imunização é feita de forma preventiva ou com poucos vírus circulando.”

Letícia Kawano, médica pneumologista, pesquisadora do Instituto de Pesquisa do Hospital do Coração (HCor) e membro do grupo de desenvolvimento de diretrizes em tratamentos para covid-19 da Organização Mundial da Saúde (OMS), alerta que o mais importante, neste momento, é alcançar a imunidade coletiva, ou “de rebanho”. Essa forma de imunização acontece quando atinge-se uma porção de imunizados suficiente, numa população, para proteger os demais, de forma indireta, ao barrar a transmissão viral. “É isso que de fato vai controlar a doença, não a vacinação individual”, garante. “Se as pessoas ficam adiando sua vacinação porque querem receber essa ou aquela vacina, isso posterga a proteção de toda a população.”

As três vacinas disponíveis para os brasileiros são a Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac; a AstraZeneca/Oxford, fabricada em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); e a Pfizer/BioNTech, que já possui o registro definitivo para uso no Brasil, concedido pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Todas elas foram testadas no País e se mostraram efetivas em reduzir hospitalizações, óbitos e internações e a eficácia ficou entre 50,38 a 95%.

Apesar dessa variação, todos os especialistas ouvidos pelo Jornal da USP garantem que é preciso cuidado ao comparar os estudos clínicos. “A Coronavac, por exemplo, foi aplicada no Brasil em 12.508 profissionais de saúde e a eficácia geral foi de 50,38%, número já esperado para vacinas de vírus inativo, que apresenta taxas inferiores às técnicas mais modernas — como de RNA mensageiro”, afirma Leonardo Costa, especialista em práticas baseadas em evidências científicas e comunicador em saúde.

Mesmo assim, a Astrazeneca ficou estigmatizada por causar sintomas mais fortes, algo próximo à sensação de ressaca, no dia após a primeira dose, o que faz com que muitas pessoas aguardem a chegada de outro imunizante na Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima. Além disso, estudos europeus relataram que a vacina causou coágulos sanguíneos em algumas pessoas com contagens baixas de plaquetas. A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) continua indicando a vacina, argumentando que os benefícios gerais superam os riscos. “Das 20 milhões de pessoas que tomaram a vacina da AstraZeneca no Reino Unido e na União Europeia em 16 de março, 25 apresentaram coágulos nos vasos sanguíneos e nos que drenam o sangue do cérebro, mas se você contrair covid-19, a sua chance de morrer é de 1 em 100”, explica Leonardo Costa. “Se alguma vez na vida você fumou ou tomou pílula anticoncepcional, você já ‘brincou’ com esse risco”.

Letícia defende que não se deve escolher entre as vacinas, muito menos utilizar efeitos adversos como critério. “A atenção deve ser em casos de contra indicações”, afirma. Assim como alguns estudos e casos relacionam a aplicação da Astrazeneca com o raríssimo desenvolvimento ou agravamento do quadro de trombose em mulheres jovens, a vacina Pfizer também foi ligada em casos pontuais de aumento do risco de reações anafiláticas por pessoas com histórico de alergia a medicamentos, picada de inseto e a alimentos. A especialista ressalta que qualquer dúvida deve ser sanada com seu médico. “Em um país onde falta vacina, esse não pode ser impedimento para se prevenir contra a covid-19, que está matando em grandes proporções. As pessoas devem se vacinar, porque, quando colocamos na balança, o benefício é gigantesco”, afirma.

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