Agência VOA

Há o mito de que o cancro cervical é um feitiço lançado pelas esposas às amantes dos seus maridos.

20 de novembro de 2014

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Moçambique tem uma das taxas mais altas de cancro cervical, uma doença que mata quatro mil mulheres todos os anos no país. Um novo plano de vacinação para meninas de 10 anos poderá mudar o rumo da luta contra uma doença que está a criar um fosso entre o género feminino num dos países mais pobres do mundo.

Na clínica de Boane, Cecília Arnaldo vai alternando o peso do corpo de um pé para o outro enquanto espera com outras dezenas de mulheres para ser atendida. A mulher de 34 anos tem cinco filhos e diz ter feridas no útero há sete meses mas hoje é a primeira vez que ela vai fazer uma rastreio cervical e tratamento.

Cecília conta que decidiu ir à clínica porque vários programas de televisão têm passado informação sobre o rastreio ao cancro cervical. Cecília diz que tudo o que quer é estar saudável, pelo que não sente vergonha, pois muitas mulheres morrem por sentirem vergonha.

A Dr. Khatia Munguambe, no Centro de Pesquisa de Saúde em Manhiça, diz que nas áreas rurais o cancro cervical é ligado muitas vezes à promiscuidade e à feitiçaria, o que acaba por inibir as mulheres de procurar ajuda.

“Há uma percepção de que as pessoas que sofrem de cancro cervical são amantes descobertas pelas esposas dos maridos com que elas andam e que essas esposas lançam feitiços contra as amantes e elas ficam doentes. Se relacionarmos o cancro cervical com esse comportamento sexual vamos criar um estigma”, explica.

Munguambe diz que as mulheres que se encontram em estágios avançados da doença tendem a isolar-se, pelo embaraço dos sintomas. Em estágio avançado este cancro é mortal na maior parte dos casos. O critério para o tratamento do cancro é proibitivo e a radioterapia paliativa não está ao alcance dos pobres.

A Jhpiego é a clínica instalada em Boane. É uma organização de saúde sem fins lucrativos que incluiu o rastreio ao VIH no seu programa e os programas de rastreio detectam lesões pré-cancerosas em quase 90 por cento dos casos.

Cecília passa por um procedimento chamado acetowhitening que consiste em ver que células da cervical se tornam brancas quando lhes é posto vinagre. As enfermeiras da clínica também fazem criocirurgia, congelando células com nitrogénio líquido.

De acordo com o Centro de Controlo de Doenças, 99 por cento dos cancros cervicais são causados pelo vírus HPV, comummente transmitido por via sexual. Em Moçambique as taxas de cancro cervical são exacerbadas pela alta incidência de VIH, pois um sistema imunitário fraco permite que as infecções pelo vírus HPV, também conhecido por Papiloma vírus, progridam mais facilmente para cancro.

Moçambique administra vacina contra o HPV

Foram desenvolvidas duas vacinas que podem prevenir o cancro cervical entre 70 a 80 por cento.

Moçambique está a fazer um piloto da administração da vacina em dois distritos, para depois partir para a sua administração a nível nacional. A GAVI é subsidiada em países em desenvolvimento, pelo que cada dose custa apenas 20 cêntimos.

Meninas de 10 anos estão a ser vacinas antes de se tornarem sexualmente activas e entrarem em contacto com o HPV.

Munguambe diz que educar professores e líderes comunitários é a chave para o sucesso destes testes. O papiloma vírus é muitas vezes confundido com o HIV, por isso decidiram focar-se na doença que a vacina pode prevenir.

“O maior desafio foi fazer entender, localmente, o que é o cancro cervical. Tivemos que enquadrar bem a mensagem para garantir que não estávamos a encorajar as meninas a serem sexualmente activas, dizendo que se forem vacinadas hoje, significa que no futuro, quando estiverem na idade reprodutiva vão ter uma vida reprodutiva saudável", conta.

A vacina vai ser administrada primeiro nas escolas, em simultâneo com brigadas móveis comunitárias para chegar àquelas que não estão na escola.

Moçambique completou agora a primeira ronda de vacinas. O sucesso nestes dois distritos poderá levar a vacina da HPV para o resto do país em 2015 e 2016.

(Gillian Parker viajou para Moçambique para trabalhar com o International Reporting Project)

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