Agência Brasil

Localização do departamento de Santa Cruz, onde ocorrerá a consulta popular sobre autonomia neste domingo.

2 de maio de 2008

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Uma disputa política, de fundo econômico e que visa a enfraquecer o governo de Evo Morales, presidente da Bolívia. Assim, dois especialistas brasileiros ouvidos pela Agência Brasil classificam a consulta popular marcada para este domingo (4).

Considerado inconstitucional pelo governo federal e sem o respaldo do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) boliviano, o polêmico ‘Estatuto do Estado Autonômico de Santa Cruz’ concede aos governantes do estado mais rico do país, próspero em petróleo e gás mineral, poder para legislar sobre questões fiscais e fundiárias, entre outras coisas.

“O que o movimento por maior autonomia quer é reter no estado uma maior quantidade de recursos. E, na visão do governo federal boliviano, isso inviabilizaria a maior parte de seus projetos”, diz o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Virgílio Arraes, para quem não há, no momento, condições políticas para a fragmentação da República boliviana, composta por nove estados. Para Arraes, o projeto autonômico é mais uma etapa da acirrada disputa entre grupos políticos antagônicos.


'De um lado, está a elite tradicional. A mesma que, durante décadas, se beneficiou do sistema econômico e político então vigente. De outro lado, há a nova elite, que vem basicamente do movimente indígena. Eu compararia à história do cobertor curto. São duas elites puxando o mesmo cobertor.'

—Virgílio Arraes, professor de Relações Internacionais da UnB

A autonomia requerida por Santa Cruz, avalia Arraes, possibilitaria aos políticos da região não só manter a atual estrutura socioeconômica, como atrapalhar os planos de Morales e de seus partidários.

“A repartição dos recursos existentes é insuficiente para atender aos dois grupos. E se for feita como alguns estados querem, inviabilizará o governo Morales, repercutindo negativamente nas próximas eleições presidencial.”, disse.

Para o professor de História Contemporânea da Universidade de São Paulo (USP) Osvaldo Coggiola, a aprovação do estatuto de Santa Cruz e de outras localidades que já manifestaram a intenção de fazer o mesmo transformaria o governo federal numa espécie de “marionete” dos poderes estaduais.

Para Coggiola, a questão de fundo é saber quem vai ficar com os lucros da exploração do petróleo e do gás mineral, reinvestindo-os de acordo com suas prioridades. “É preciso lembrar que a Bolívia possui a segunda reserva natural de gás da América Latina, uma reserva muito fácil de explorar”.

Coggiola acredita que, independentemente do resultado da consulta popular deste domingo, a situação política na Bolívia caminha em direção a “uma radicalização muito forte que só será decidida nas ruas”.

O professor sugere que a estratégia do governo federal de também convocar um referendo popular para verificar a posição da população sobre a eventual reforma da Constituição só vai acirrar o embate com grupos oposicionistas. “Os referendos autonômicos departamentais e o constitucional apenas preparam o terreno para um enfrentamento muito mais acirrado, que vai ser decidido como historicamente sempre se decidiram as coisas na Bolívia. Nas mobilizações e contra-mobilizações populares”.

A Assembléia Constituinte boliviana aprovou a reforma constitucional no final de 2007, sem a presença de parlamentares oposicionistas. Os governadores de Santa Cruz, Pando, Beni e Tarija reagiram imediatamente, ameaçando declarar a autonomia de seus estados.

Para entrar em vigor, a nova Constituição tem de ser ratificada por meio de um referendo nacional que ainda não tem data marcada para acontecer.

Fontes