30 de outubro de 2024

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Nas últimas décadas, a China dominou de forma inquestionável o mercado de terras raras. O país detém a maior reserva do mundo desses minerais, considerados componentes essenciais em vários setores tecnológicos que estão na vanguarda da transição para a energia verde. A China dominou a exploração e a cadeia de suprimentos, tornando-se um fornecedor importante para os mercados globais. Mas isso pode mudar em breve, já que outros países, inclusive o Brasil, entrarão na disputa, esperando ganhar independência das exportações chinesas.

De acordo com um relatório da China Water Risk, a China fornece atualmente entre 85% e 90% dos materiais de terras raras do mundo. Esse monopólio virtual dá ao país uma influência considerável sobre o controle do fluxo global desses metais. As terras raras são um grupo de elementos químicos encontrados na natureza em minerais. O nome “raras” vem da dificuldade de extrair esses elementos, que possuem características especiais, como magnetismo intenso e absorção de luz, o que os torna os materiais preferidos do setor de tecnologia.

A China não hesitou em exercer esse poder. Em novembro de 2023, Pequim anunciou controles de exportação mais rígidos, exigindo que os exportadores de terras raras declarassem o tipo de metal que estavam exportando e os destinos finais. Em dezembro do mesmo ano, a China proibiu a exportação de tecnologias de processamento de terras raras, uma medida que efetivamente prejudicou as chances de outros países desenvolverem seus próprios setores e se tornarem menos dependentes dos suprimentos chineses.

A China também expressou preocupação com os interesses estrangeiros em suas reservas de terras raras. Em janeiro deste ano, o Ministério de Segurança do Estado da China publicou uma tira de quadrinhos em seu canal WeChat que retrata uma mina fictícia, onde agentes de segurança disfarçados prendiam espiões estrangeiros que se passavam por promotores imobiliários, insinuando que estavam tentando roubar minerais e tecnologia.

A tira não menciona nenhum país ou empresa, mas em um artigo que se seguiu, o Global Times, uma publicação estatal ligada ao Partido Comunista Chinês (PCC), citou um especialista dizendo que países como Estados Unidos, Japão e a União Europeia “cobiçavam” os recursos de terras raras da China e haviam “usado infiltração, suborno e espionagem para atingir seus objetivos”. Nenhuma evidência foi fornecida para apoiar as alegações.

Temendo que a China decida restringir as exportações de terras raras, o que poderia prejudicar vários setores importantes em todo o mundo, os países ocidentais estão procurando diversificar o fornecimento desenvolvendo a extração em outros países. Um desses países é o Brasil, que possui a terceira maior reserva global de terras raras. O governo brasileiro estima que o país poderá se tornar um dos cinco maiores produtores mundiais nos próximos anos. O primeiro projeto de mineração, Serra Verde, no estado de Goiás, entrou em produção em janeiro e tem como objetivo extrair 5.000 toneladas por ano quando atingir a capacidade total.

Mais do que uma jogada comercial, a entrada do Brasil nesse cenário é uma necessidade, pois ocorre em um momento crucial. De acordo com a Agência Internacional de Energia, o mercado de minerais críticos, incluindo metais de terras raras, terá que aumentar sete vezes na próxima meia década para atingirmos zero emissões líquidas até 2050, em linha com o Acordo de Paris de 2016.

Um desenvolvimento industrial mais sustentável depende desse grupo de 15 elementos da tabela periódica, essenciais em muitos setores de tecnologia que estão na vanguarda da transição energética, incluindo veículos elétricos e energia eólica. Esses materiais são facilitadores para indústrias que buscam reduzir as emissões e o consumo de energia.

Mas, embora as terras raras sejam um elemento fundamental para garantir que as indústrias se tornem mais sustentáveis, sua extração pode ser muito prejudicial ao meio ambiente, algo que os especialistas chamam de “paradoxo das terras raras“.

A mina Bayab Obo, no oeste da Mongólia Interior, uma região autônoma da China, é um exemplo da pegada deixada pela mineração de terras raras. Em 2019, ela contribuiu com 45% da produção mundial desses elementos essenciais. Um relatório da Science News de 2023 a descreveu como “um dos lugares mais poluídos do planeta”. Resíduos de mineração contendo metais pesados são despejados em rios próximos, o ar está cheio de fumaça e poeira tóxica, a vegetação do local foi removida para facilitar a mineração e os moradores relataram sintomas de envenenamento por metais pesados.

Mas depois da mineração, a transformação do minério bruto em um produto viável para a indústria, etapa conhecida como processamento, também tem sua própria pegada, pois consome grandes quantidades de água e produz muitos resíduos.

Em 2022, a Sky News visitou uma lagoa de rejeitos em Baotou, perto da mina Bayan Obo, onde subprodutos tóxicos das atividades de mineração da região se acumularam. A emissora entrevistou dois moradores que tinham acabado de irrigar seus campos com água que, segundo eles, não “atendia aos padrões para consumo humano ou animal”. Os moradores disseram ao jornalista que um vilarejo vizinho teve pelo menos 35% de seus habitantes diagnosticados com câncer. O governo os realocou e proibiu a agricultura no local.

Bayan Obo é apenas um exemplo. Até agora, com a produção limitada à China, as comunidades chinesas foram as únicas a pagar o preço ambiental. Porém, à medida que o Brasil e outros países entram no mercado de terras raras, eles têm a oportunidade de seguir um caminho diferente do da China, evitando os mesmos erros e minimizando o custo ambiental da exploração desses minerais.

Essa é uma preocupação relevante para um país como o Brasil, com um histórico recente de duas tragédias de mineração em grande escala. Em 2015, uma barragem de rejeitos de minério de ferro se rompeu em Mariana, no estado de Minas Gerais, matando 19 pessoas. Em janeiro de 2019, outra barragem de rejeitos semelhante se rompeu em Brumadinho, cidade do mesmo estado, matando 270 pessoas. Muitos atribuem as tragédias às regulamentações fracas e fiscalização negligente.

José Gomes Landgraf, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, ressalta que há outro motivo de preocupação no Brasil. “Algo que precisamos combater é a possibilidade de mineração descontrolada em áreas do país onde se encontra argila iônica, um dos minerais de terras raras”, disse ele, explicando que isso foi um problema para a China nas décadas de 1990 e 2000. Não seria a primeira vez que minerais ilegais entrariam na cadeia de suprimentos de tecnologia. Em 2022, a Repórter Brasil revelou como Apple, Google, Microsoft e Amazon estavam usando ouro extraído ilegalmente no Brasil.

De acordo com Yao, da Universidade De La Salle, é difícil eliminar todas as ameaças ambientais. “O que é essencial é colocar em prática, em primeiro lugar, um conjunto de regulamentações ambientais claramente estabelecidas e, em segundo, um esforço de toda a sociedade para fazer cumprir as normas e o monitoramento de terceiros. Transparência e participação são, portanto, fundamentais”, disse ele à Global Voices por e-mail.

Yao ressalta que, após extensas investigações em duas grandes instalações de mineração de terras raras, uma no norte e outra no sul, a China reforçou as regulamentações ambientais e sua implementação usando uma série de ferramentas, como impostos e sistemas de cotas. Além disso, com o amadurecimento do setor, o país aprendeu a tornar os processos mais sustentáveis.

Yao acredita que, mesmo buscando independência da China, os países devem considerar a possibilidade de cooperar com ela, o que evitaria o “esforço desnecessário de reinventar a roda” no desenvolvimento de seus setores de terras raras. Ele acrescenta que os países poderiam considerar a possibilidade de atrair investimentos diretos da China com transferência de tecnologia. “Ambos os lados se beneficiarão mutualmente com essas oportunidades de cooperação”, disse.

Esse talvez seja o resultado inevitável para todos aqueles que estão tentando se estabelecer como participantes independentes da China. No Canadá, essa cooperação já está em andamento, de acordo com uma reportagem da CBC News de dezembro de 2023. O projeto da mina de Nechalacho, que por anos foi vendido como uma forma de o Canadá se tornar independente do suprimento de terras raras da China, recebeu uma participação de 9,9% da empresa chinesa Shenghe Resources.

No Brasil, até o momento, não há notícias de investimentos chineses em operações de terras raras, mas existem oportunidades. Em um relatório de 2023 sobre os minerais brasileiros, o Xinshijie Industry Research Center afirma que as empresas chinesas têm perspectivas promissoras no país, devido à “tecnologia de mineração relativamente ultrapassada e falta de atenção do governo”.

Em junho, um grupo de representantes da indústria de Minas Gerais realizou uma missão técnica à China para estabelecer parcerias estratégicas para a produção de ímãs de terras raras. O objetivo da visita, que contou com o apoio da embaixada brasileira na China, era encontrar potenciais fornecedores de matérias-primas para a produção no Brasil.

Mas, em nível federal, ainda não há sinais de cooperação. Nem o governo federal brasileiro nem o Ministério das Relações Exteriores da China publicaram qualquer notícia ou informação sobre parcerias em terras raras em seus sites. As autoridades brasileiras também optaram por não abordar o assunto durante suas recentes visitas à China.

Fontes

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