22 de setembro de 2024
Já se passaram 14 anos desde que a Amazônia teve tantas queimadas quanto as 38 mil registradas em agosto de 2024. O número representa um aumento de 120% em relação ao total de 2023, que havia sido marcado por intensos incêndios e fumaças em todo o estado.
O município de Apuí, no sul do Amazonas, foi o que mais teve queimadas na Amazônia Legal no período, concentrando 9,2% desses registros no bioma, ou seja, 3.769 focos. No cenário nacional, a Amazônia detém 50% das fontes de calor, seguida pelo Cerrado (31%) e pela Mata Atlântica (9%), que atrai a mancha de fumaça presente em todo o território nacional. Os dados foram retirados da plataforma BDQueimadas.
No dia 9 de setembro, mais da metade das cidades brasileiras tinham alertas de qualidade do ar. A baixa umidade da época se somou à fumaça da queima que atingiu o estado mais ao sul do Brasil, o Rio Grande do Sul, a mais de 4,5 mil quilômetros do Amazonas.
Segundo dados do BD Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), só o município de Apuí registrou 2.267 surtos em agosto, o que corresponde a 58% dos acumulados no ano. Apuí só perde na classificação nacional para o município de Corumbá, no Mato Grosso do Sul, que registrou 626 focos ou mais.
As perspectivas para os próximos meses são preocupantes, segundo Heitor Pinheiro, analista de geoprocessamento que atua no Observatório BR-319, rede de organizações da sociedade civil que atua em uma das regiões mais afetadas.
“A tendência é de aumento dos surtos em setembro, principalmente na região metropolitana de Manaus. Outras regiões também poderão ser afetadas, pois muitas famílias utilizam o fogo para preparar áreas rurais [queima de terras para plantio]”, disse Pinheiro.
Até o início de setembro, o site da Internet 'Amazônia Legal' registrou aumento de 109% nas fontes de calor em relação ao mesmo período de 2023. As cinco cidades que lideraram a classificação de queimadas de 2024, segundo o INPE, são Amazonas e Pará: São Félix do Xingu (9,9% ), Apuí (8,8%), Novo Progresso (8,2%), Altamira (8%) e Lábrea (7,3%).
Historicamente, setembro costuma ser o mês com mais queimadas na maior parte da Amazônia brasileira. Mas o início precoce da estação seca trouxe preocupações. “Se a estação seca começou tão cedo naquele ano, a temporada de queimadas também será mais longa?”, questiona Erika Berenguer, especialista no impacto do fogo na Amazônia e pesquisadora das universidades de Oxford e Lancaster, no Reino Unido. .
Para Heitor Pinheiro, o cenário pode continuar, já que as queimadas afetam também países vizinhos, principalmente Bolívia e Paraguai.
- Paisagem inflamável
Desde o início de 2024, o número de fontes de calor bate recordes em meses atípicos. “Quanto mais dura a estação seca, mais seca fica a selva e, com isso, há mais opções para o fogo conseguir [se espalhar]”, explica o pesquisador Berenguer.
Uma área mais preocupante é a chamada fronteira do desmatamento, entre os estados do Amazonas, Acre e Rondônia (Amacro), onde a floresta é extremamente inflamável.
Berenguer explica que é fundamental diferenciar as fontes de calor, pois nem sempre indicam incêndios florestais. A maior parte ocorre em áreas de pastagens, onde há atividade agrícola. O desmatamento, anterior aos campos, ocorre em áreas virgens. Imagens de satélite mostram que essa atividade segue o “arco do desmatamento”, como observado na Amazônia Real.
“O fogo é uma ferramenta de desmatamento, assim como o trator. Depois de destruir a mata, o fogo é usado para limpar a área e plantar capim para o gado”, acrescenta o pesquisador.
- El Niño com maior impacto
O El Niño é apontado como a principal causa da seca na Amazónia em 2023 e dos incêndios em 2024, mas em simultâneo com o aquecimento acima do normal do Oceano Atlântico. Por sua vez, Berenguer destaca que em 2015, durante o El Niño Godzilla, evento mais intenso, o impacto foi menor. Segundo ele, as mudanças climáticas são a principal razão dos extremos registrados nos últimos dois anos.
“Já houve um aumento de temperatura de cerca de 1,5 grau, então se adicionar El Niño tudo vai piorar”, diz Berenguer.
Atualmente, a região amazônica vive um período neutro, sem influência de manifestações, mas mesmo assim a selva sente os efeitos da seca de 2023.
Para quem mora na região afetada, há fumaça e fogo por toda parte. Padre Éder Carvalho Assunção, coordenador de Pastoral na cidade de Lábrea, nota a destruição por onde passa. E não é de agora.
A situação se intensificou desde o início do governo de Jair Bolsonaro, em 2019. A navegação foi afetada pelo baixo nível das águas, e não houve ações suficientes de combate a incêndios ou desmatamento, segundo os religiosos, porque falta valorização do meio ambiente. servidores.
“A política do fogo é a política da agricultura”, diz o pai, e lembra que os governos estaduais da região do Amacro são de direita e alinhados ao pensamento rural.
Lábrea, segundo município com mais queimadas no Amazonas em 2024, tem uma fumaça densa que impossibilita ver quem está passando pelos rios Amazonas. Mesmo assim, no final de agosto, a cidade realizou a “Fiesta del Sol”, com uma multidão reunida sob a “névoa” branca da fumaça do incêndio.
O prefeito Gean Campos de Barros (MDB), candidato à reeleição, convocou a população à festa em vídeo publicado no Instagram, sem mencionar o fumo ou medidas de prevenção.
A Amazônia Real enviou perguntas ao prefeito, como medidas para proteger a saúde da população contra a poluição das queimadas, ações de combate aos incêndios florestais e se havia planos de cancelamento do espetáculo. Não houve resposta.
Heitor Pinheiro, que além de especialista em geoprocessamento é brigadista florestal, diz que mesmo com o desmonte dos órgãos ambientais, houve avanço na formação de novas brigadas, principalmente com apoio de instituições privadas e do terceiro setor. Ele citou o trabalho que está sendo realizado no Amazonas, onde foram criadas e estruturadas brigadas voluntárias e comunitárias. No entanto, o problema é ainda maior que a solução.
“Há mais incêndios do que homens no campo”, diz ele.
Fontes
editar- ((es)) Brasil: El peor agosto en 14 años, con quemas e incendios en el estado de Amazonas — Amazonía Legal / Global Voices, 22 de setembro de 2024
Esta notícia é uma transcrição parcial ou total do Global Voices. |